TAMEGÃO
CARLOS NUNES PINTO
XIV
“ Disseram tantas mentiras
que agora parecem verdade“
Assim que regressei, fui
visitar o Tamegão:
− Tamegão, cheguei.
Abriu os braços.
Abraçou-me.
Ficámos tanto tempo assim
que deu para eu sentir o seu coração bater, mas muito lentamente.
− Tamegão, o teu coração
bate devagarinho.
− E o teu parece de um
passarinho. Quando o menino chorou lá longe, o meu coração se agitou. Você me
chamou porquê?
− Porque precisava de
chorar.
− Não faz mais isso, me faz muito mal.
− Como acontecia com o teu pai lá no cemitério?
Mudou de conversa.
− Teu irmão segundo também
não chorou porque ficou com vergonha.
− Vergonha de quê?
− Ficou com peneiras do
casaco novo, mas o tal homem que enganou você também enganou ele.
− Como?
− Casaco tinha um bolso
roto.
− Roto?
− Sim, lá no fundo.
Juro que fiquei
satisfeito, afinal fomos os dois enganados. Também me vou rir dele como ele se
riu de mim.
Tamegão adivinhou a minha
intenção.
−Não precisa gozar com
ele. Ele já está a pagar. Ele falou:
− Tia, podes coser o bolso
do meu casaco?
− Não, o Albérico que o
cosa.
− E agora? Como é que ele
vai resolver isso?
− Não é ele que vai
resolver, é você.
− Eu?!!
− Você vai lá na loja
desse Sr. Albérico e diz nele: “Sr. Albérico, está aqui o casaco do meu irmão
para o senhor mandar arranjar o bolso que o meu pião rasgou. Esqueci-me dele a
rolar toda a noite lá dentro. Agora, o meu irmão quer-me bater”.
− Oh, miúdo, não fui eu
quem o mandou pôr no bolso do teu irmão!
− Mas foi o senhor que mo
vendeu, e que nunca mais parava de
rolar!
− Dá cá o casaco.
− O Sr. Albérico também
pode mandar pôr um travão no meu pião?
− Desculpa lá isso. Uma
coisa te vou garantir: se um dia fizerem um que nunca pare, eu não te vou
vender, vou-te oferecer. Aceitas?
− Concordo.
− Aperta cá essa mão.
Quando apertou a minha
mão, o Sr. Albérico ficou pálido. Percebeu que eu tinha seis dedos!
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