CARLOS NUNES PINTO
TAMEGÃO
XVIII
“
Quando o coração fala, a gente não precisa dizer mais nada “
− Só tenho pena de não ver
o mar.
− Nunca viste mesmo?
− Só vi nos olhos de
Luana.
− Tamegão, você gosta
muito de Luana, não é?
− Menino fica calado,
Luana está a chegar.
− Então, Luana, bonita
como sempre!
− Eu só não gosta dessa
blusa que se vê tudo.
− Porquê, Tamegão?
− Por causa dos outros.
− Luana, tu já viste o
mar?
− Nunca.
Fiquei a pensar como havia
de conseguir mostrar o mar àquelas criaturas.
Falei com o Tio Cardoso.
Se ele quisesse, até nos podia levar no comboio, de borla. Afinal, era o
revisor.
Consegui. Bendito Tio
Cardoso!
Marcámos o dia −
sexta-feira próxima.
Lembrei-me: coitada da
Luana, nem um fato de banho tem.
− Eu precisa disso para
quê?
− Todas as pessoas precisam,
se querem nadar no mar.
− Eu aqui nada na
cachoeira, mas é nua.
− Eu sei − disse Tamegão −
eu já espreitou.
− Já?!
− Muitas vezes!
Telefonei à Júlia.
− Preciso que emprestes um
fato de banho para uma amiga minha usar. É só por um dia.
Chegámos a Moçâmedes perto
das onze horas da manhã. Lá estava a Júlia à nossa espera, com um fato de banho
na sacola.
Vi que estranhou que a
minha amiga fosse negra, mas não disse nada, nada mesmo. Levou Luana para casa,
para trocar os panos garridos que vestia por um fato de banho branco.
− Meu Deus ! − agora fui
eu quem ficou admirado
Tamegão estava sereno.
Na praia, Luana se atirou
para a água e nadou, nadou, nadou.
Tamegão tirou os sapatos,
arregaçou as calças e instalou-se no rebentamento das ondas.
− Menino, parece que o mar
me está a dar beijinhos!
− E está a dar mesmo, os
deuses são sempre beijados nos pés.
− Menino, não fala isso
alto para o mar não ouvir!
− Porquê?
− Pode descobrir que eu
sou feiticeiro. Estes beijinhos me estão a fazer bem!
Luana nadou em nossa
direcção. Parecia cansada. Quando encontrou pé, quis levantar-se mas não
conseguiu. Nova tentativa e correu para o Tamegão. Abraçou-o, feliz. Afastei-me
um pouco, não queria quebrar aquele encantamento.
Quando, disfarçadamente,
olhei para eles, vi o sol espelhado nas gotas que Luana tinha trazido do mar,
coladas no seu corpo moreno. Também Tamegão as viu.
De mãos dadas, levou-a
para a água.
− Luana, essas gotas de Sol
tem que se devolver.
Tamegão passou levezinho
sua mão no corpo de Luana, arrastando, de cima para baixo, todas as gotas que
se iam misturando com as águas do mar.
No comboio de regresso,
Luana adormeceu no ombro do Tamegão. Quando acordou do sono, ou talvez ainda
ensonada, disse:
− Luana está feliz porque
tua mão acariciou o meu corpo inteiro.
Tamegão emudeceu. Só seu
pensamento se libertou:
Ontem
Eu e Luana
Ficámos parados no centro
da terra.
Dum lado
A maré cheia
quase a chegar ao fundo do
infinito
No outro lado
a areia da praia se
prolongou
se espalhando no deserto
de terra quente
que o Sol um dia queimou
E foi naquele mar
Que abraçava a areia
Que eu ouvi
Os estalinhos dos beijos
Que Luana mandou para mim.
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