DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 5 de março de 2017


CARLOS NUNES PINTO

TAMEGÃO


XXII

“A gente tem sempre dois sorrisos, um que ri, outro que chora”

Coisas de Luana.




 Está a chover muito deste lado do céu, pensou Tamegão preocupado.
 Afastou a tábua que fazia de janela e viu faíscas ligadas umas às outras fazendo da serra dia.
 Aqueceu água doce na caneca e sentou-se. Cada gole que bebia, cada pressentimento mau.
 Ouviu pancadas fortes na porta e um grito de mulher.
 – Luana?!
 – Me socorre senhor Tamegão. Meu filho o rio levou.    
  – Não precisa gritar! Tem vezes que o rio não mata.             
 Para acalmar Luana, contou-lhe a sua própria história. Nada mais podia fazer. Sentia-se impotente. As águas galgavam, impetuosas, por cima dos seus sentidos.
 – Uma noite, parece igual a esta, o rio saiu do seu meio. Queria arrastar meu pai. Não conseguiu, tinha peso igual da pedra. Depois, era eu que ele queria levar. Me agarrou no meu pai, minhas mão começou a escorregar nessa tal de pedra e o rio me levou.
 – Como você voltou?
 – Espera aí, me arrastou até no buraco mais fundo do rio. A água tinha tanta força que atirava nossos corpos contra as paredes desse buraco. Até a água ficou encarnada. Eu me expulsei, pela chaminé e veio cair aqui nesta terra que não era a minha. Eu voou, voou e acordou aqui debaixo dessas mangueira.
Fez uma pausa:
 – Luana, você sabe estas mangueira não tem sombra?
 – É porquê?
 – Tem sempre quentura do deserto que me secou.
 Tinha parado de chover. Ambos ouviram o ruído de qualquer coisa que se arrastava no capim. Assustava mesmo. Ainda mais quando viram um bicho enorme com o menino pendurado pelos dentes, parecendo morto.
 Pousou-o inanimado no chão e partiu. Sentia-se que o barulho ia diminuindo até se diluir na água.
 – Sr. Tamegão, esse bicho é o quê?
 – Parece é jacaré, mas aqui esse bicho não tem!
 Tamegão pegou na criança ao colo. Apertou o peito no seu próprio peito até que começou a ouvir bater dois corações. Sorriu. O menino abriu os olhitos e sorriu também.
 Luana abraçou forte os dois, tanto que não sabe se apertou mais Tamegão se o próprio filho.
 – Eu apertou forte meu mundo, suspirou Luana.
 Tamegão fechou os olhos. Dentro deles um sorriso e uma pontinha de felicidade. A seguir, despertou:
 – Luana parece ouvi teu filho outro chamar.
 Luana partiu. Levava um sorriso triste, com o feitio da realidade.




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