CARLOS NUNES PINTO
TAMEGÃO
XXXI
“A mágoa é que magoa”
O Administrador teve de
partir. Uenda cô puto.
Quem veio mandar depois
foi um preto – se chamava Comandante. Quando viu a tal estátua – símbolo vivo
dum colonialismo que se queria morto – arrepiou-se.
Mandou preparar alguns guilhos
de aço, afiando-lhes uma das pontas. Deram-lhes uma têmpera na forja da reserva
do caminho de ferro. Com a ajuda duma marreta, esburacaram toda a base onde o
tenente repousava. Todos os buracos foram carregados com dinamite que uma
patrulha tinha roubado das pedreiras do Cuto.
Certa noite, ouviu-se uma
ordem:
− Fogo!
Um estrondo enorme fez
tremer o chão. Partiu-se toda a base. Algumas pedras se dispersaram, outras, as
mais pesadas, ficaram no mesmo lugar. A estátua subiu dois metros e voltou a
cair no mesmo sítio. Ficou de pé. Ninguém sabe por quê, mas ficou.
Só já pela manhã o
comandante reparou que tudo estava como dantes, ou quase.
− Isto é feitiço, ou quê?
O Flávio, filho do
Tchicuta Macongo, que esteve toda a noite escondido por detrás do muro da
escola, camuflado pelas folhas dum cajueiro, contou-me:
- Quando se ouviu aquele
estrondo, todos os pássaros se levantaram dos galhos onde estavam a dormitar.
Assustados, voaram muito alto. Uma chilreada enorme abafou, por completo, o eco
que o choque provocou quando embateu no paredão da Chela.
O Tamegão também quis
testemunhar:
Nessa noite, eu não
conseguia de dormir. Saiu da cubata e viu muita luz lá fora. Todos caminhos se
via. Depois, foi na vila, se passou na casa de Luana, já não sabe. Não tinha
ninguém na rua. Se alguém via eu, ia contar Tamegão virou matchituca. Eu vi a
cabeça sair do corpo do tal tenente, jura mesmo. Depois, parece despedida, uma
bola de fogo passou em cima da vila, chocou com a serra pequena, perto do
mirante, fez um buraco tão grande que a gente não vê o fundo.
Eu também reparei que nas
noites de lua cheia, quando o luar entra a pique, se vê, lá em baixo uma bola a
luzir, parece ter uns lábios grossos sempre a sorrir, e uns olhos que nunca
mais vão deixar de chorar, digo eu.
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