CARLOS NUNES PINTO
TAMEGÃO
XXX
“ A chuva só molha o
sonho, nunca apaga”
O Administrador convocou
os quatro vereadores municipais para uma reunião extraordinária. Pretendia a
aprovação de uma proposta para a execução de uma estátua no meio da vila.
Todas as propostas vindas
dele eram sempre aprovadas por unanimidade. Os vereadores eram conhecidos por
tchicocolos porque a tudo diziam que sim, abanando as cabeças para cima e para
baixo.
Tchicocolos por quê?
Porque na serra, por
detrás da Administração, viviam uns lagartos enormes, quase chegados a sardões,
que, quando se apercebiam de algo de anormal, paravam sobre uma pedra e
meneavam a cabeça, parecendo dizer que sim.
Foi apresentado o projecto
da estátua, incluindo o pedestal. Era a de um tenente da guerra dos mucubais
que ostentava uma arma na mão esquerda.
O vereador Filipe
comentou:
− A estátua vai ser
colocada no meio de quê? Esta vila tem apenas duas ruas, separadas pela linha
do caminho-de-ferro.
O Oliveira ajudou:
− E a linha, não a podemos
tirar do meio…
− Bem… − disse o
Administrador. – Com tantas objeções, quem vai escolher sou eu.
Mandou retirar o Parque
Infantil para assentar ali o tal tenente.
A população não gostou. Os
miúdos da escola também não. Reuniram-se e decidiram não ir às aulas durante
três dias. Terá sido uma das raras greves do Império.
Teimosamente se foi
construindo o pedestal, alto demais talvez, porque não ia ser fácil içar a
estátua de bronze. Pesava demais.
Os que assistiam à
construção diziam:
− Os tchicocolos que
ajudem…
Todos estranhavam que o tenente não trouxesse na cabeça um capacete. Ou mesmo um quico daqueles que os
militares gostam de usar.
No dia da inauguração,
manhã muito cedo, o sipaio subiu ao pedestal e cobriu o tenente com um pano
vermelho e verde e atou uma fita na parte de baixo.
A cerimónia foi simples.
Discursou o Administrador. Em seguida, desatou a fita e descerrou a bandeira.
Espanto geral! O tenente tinha o cabelo crespo e muito frisado.
Um miúdo da escola disse:
− Com aquela carapinha, parece mesmo o
Tamegão.
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