OS MONSTROS DE BOSH
Já
falei aqui de Jerónimo Bosh. O pintor flamengo fascina-me. Quando, há coisa de
um ano, fui ao Museu do Prado ver a exposição que lhe era dedicada, trouxe de
lá um livro com imagens muito belas. Irei hoje partilhar convosco umas tantas que ilustram
monstros.
Sei
mais dos ogres dos contos angolanos que dos papões e tragos que assustavam os
meninos europeus que não queriam comer a sopa ou eram malcriados para com as tias.
Seguramente
ao longo de muitos séculos e, provavelmente, no decurso de milénios, os monstros
foram vizinhos dos humanos.
O
reino deles era o das trevas. Bastava que a luz das fogueiras esmorecesse para
que se chegassem a nós. O escuro libertava das almas o pior da imaginação.
Os
seres maléficos que partilhavam a noite com as feras chegavam ao alcance das
vozes e (quem sabe?) das pontas dos dedos de um braço estendido.
Os
homens fantasiavam depositar nos monstros a essência do mal. Talvez isso
ajudasse a purificá-los.
Um
preconceito antigo obrigava a que os bons fossem lindos e os maus feios. Os
anjos apresentavam-se com as formas correspondentes aos ideais de beleza,
enquanto os demónios eram atirados para a outra ponta da escala da estética.
Ainda hoje, essa forma de olhar o bem e o mal é aparente nos filmes: os heróis e as heroínas são bonitos
e os vilões, em geral, feios. Curiosamente, o diabo era frequentemente representado
como um bode e eu sempre achei os bodes graciosos.
Nem sempre há consenso em matérias de gosto. Lembro-me do Pascoal, um cabo-verdiano que era tido como um futuro génio da Matemática, nos tempos da minha juventude, em Coimbra. Gostava de perguntar aos mais novos:
Nem sempre há consenso em matérias de gosto. Lembro-me do Pascoal, um cabo-verdiano que era tido como um futuro génio da Matemática, nos tempos da minha juventude, em Coimbra. Gostava de perguntar aos mais novos:
−
Qual é que tu achas mais giro? Um cavalo, ou um gafanhoto?
Eram
todos pelo cavalo, o que lhe permitia desenrolar a palestra preparada sobre as
virtudes estéticas dos gafanhotos. Terá reunido poucos adeptos. Mais tarde, a
vida não lhe proporcionou os sorrisos que a adolescência perspectivava.
Voltemos
a Bosh e aos seus monstros. O mestre flamengo desenhou anjos e santos. Pintou
até o que é, no meu modo de ver, o mais lindo rosto de Jesus Cristo. Para mim,
a Virgem mais bela foi eternizada em mármore, por Miguel Ângelo, na Pietà. Bosh
foi, contudo, bem melhor a criar símbolos do mal do que imagens piedosas.
Concebeu figuras extraordinárias de monstros a partir dos pesadelos próprios e
alheios e da tradição cultural medieva. Algumas das suas representações são magníficas.
Os artistas procuravam que as suas obras
promovessem o bem e transmitissem mensagens nesse sentido. Poderá ter sido
essa, até certo ponto, a intenção de Bosh.
Terá desistido, a partir de certa altura. A tolice humana parecia invencível e os homens caminhavam alegremente para a perdição. Jerónimo Bosh terá passado a retratar os seus contemporâneos tais como os via, desistindo de dar conselhos ou de procurar melhorar as pessoas com a sua arte.
Terá desistido, a partir de certa altura. A tolice humana parecia invencível e os homens caminhavam alegremente para a perdição. Jerónimo Bosh terá passado a retratar os seus contemporâneos tais como os via, desistindo de dar conselhos ou de procurar melhorar as pessoas com a sua arte.
au milieu de l'enfer
ResponderEliminar