ZÉ DO TELHADO
Curiosamente, há menos de três anos, um amigo meu,
nascido no sul de Angola, contou-me uma história de família de que acabara de
ter conhecimento.
No leito de morte, uma tia-avó pediu que os familiares
se aproximassem e contou-lhes um segredo que guardara toda a vida. Eram
descendentes do Zé do Telhado, que arranjara filhos fora de portas.
Eu tinha com o Zé do Telhado um relacionamento antigo e
literário, enquanto companheiro de cárcere de Camilo Castelo Branco, na cadeia
da Relação do Porto. O famoso bandoleiro protegeu o escritor de inimigos que
ele arranjara na cadeia. Em troca, Camilo Castelo Branco convenceu o seu
advogado, Marcelino de Matos, a defender gratuitamente José do Telhado. O causídico fez
que o salteador fosse julgado como réu de uma única morte sem premeditação, e
como caluniado na maioria dos roubos arguidos. José Teixeira foi apenas
condenado a degredo perpétuo.
José Teixeira da Silva nasceu no Lugar do Telhado,
Castelões de Recesinhos, Penafiel, em 1816. Filho de camponeses pobres, aos 14
anos foi viver com um tio na Sobreira, freguesia de Caíde de Rei, para aprender
com ele o ofício. O tio era castrador de animais.
Ao chegar à maioridade, José Teixeira alistou-se no
quartel de Cavalaria 2, “Os Lanceiros da Rainha”, em Lisboa. A sua unidade lutou
contra os setembristas, pela restauração da Carta Constitucional, na revolta
dos Marechais, em 1837.
Desmobilizado, recebeu autorização do tio para casar
com sua prima Ana e regressou a Recesinhos. O casal viria a ter cinco filhos.
Em 1846, José Teixeira envolveu-se na Revolução da
Maria da Fonte. Serviu sob as ordens do general Sá da Bandeira, a quem terá
chegado a salvar a vida. Foi feito sargento e distinguiu-se por valentia em
combate, sendo condecorado com a medalha de Cavaleiro da Torre e Espada, a mais
alta condecoração portuguesa.
Finda a guerra, com a convenção de Gramido, as coisas
correram-lhe mal. Amontoou dívidas que não conseguiu pagar. José Teixeira da
Silva tornou-se no salteador Zé do Telhado.
Zé do Telhado com um irmão
Foi o chefe da mais famosa quadrilha do Marão. Saqueou
casas senhoriais em todo o Vale do Tâmega e em algumas regiões do Douro. É
então que surge a lenda de que roubava aos ricos para dar aos pobres. Terá
mantido, em geral, uma postura cortês, quase cavalheiresca, para os donos das
casas assaltadas. Diz-se também, que distribuía parte dos saques pelas famílias
pobres da vizinhança.
O bandido mais célebre do país foi capturado em março
de 1859, quando procurava escapar-se para o Brasil. Conheceu, na cadeia da
Relação do Porto, Camilo Castelo Branco, que o lembra nas “Memórias do Cárcere”.
Degredado para Angola, aos 45 anos, viveu em Malange.
Fez-se comerciante, negociando no que podia: borracha, cera e marfim. Prosperou.
Juntou-se a uma negra, de quem teve três filhos, mas continuou a enviar
regularmente dinheiro à esposa. Era conhecido como o Kimuezo, um homem de
barbas grandes.
Morreu de varíola, aos 59 anos. Foi sepultado em Xissa,
perto de Mucari, a 50 quilómetros de Malange.
Sepultura de Zé do Telhado
De modo curioso, que poderá ter ou não a ver com a lenda de salteador na Europa, foi-lhe levantada uma sepultura invulgar, uma
espécie de mausoléu. Diz-se que continua a estar bem cuidada, como se existisse alguma forma de culto.
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