DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 27 de abril de 2017


          ZÉ DO TELHADO



Curiosamente, há menos de três anos, um amigo meu, nascido no sul de Angola, contou-me uma história de família de que acabara de ter conhecimento.
No leito de morte, uma tia-avó pediu que os familiares se aproximassem e contou-lhes um segredo que guardara toda a vida. Eram descendentes do Zé do Telhado, que arranjara filhos fora de portas.
Eu tinha com o Zé do Telhado um relacionamento antigo e literário, enquanto companheiro de cárcere de Camilo Castelo Branco, na cadeia da Relação do Porto. O famoso bandoleiro protegeu o escritor de inimigos que ele arranjara na cadeia. Em troca, Camilo Castelo Branco convenceu o seu advogado, Marcelino de Matos, a defender gratuitamente José do Telhado. O causídico fez que o salteador fosse julgado como réu de uma única morte sem premeditação, e como caluniado na maioria dos roubos arguidos. José Teixeira foi apenas condenado a degredo perpétuo.
José Teixeira da Silva nasceu no Lugar do Telhado, Castelões de Recesinhos, Penafiel, em 1816. Filho de camponeses pobres, aos 14 anos foi viver com um tio na Sobreira, freguesia de Caíde de Rei, para aprender com ele o ofício. O tio era castrador de animais.
Ao chegar à maioridade, José Teixeira alistou-se no quartel de Cavalaria 2, “Os Lanceiros da Rainha”, em Lisboa. A sua unidade lutou contra os setembristas, pela restauração da Carta Constitucional, na revolta dos Marechais, em 1837.
Desmobilizado, recebeu autorização do tio para casar com sua prima Ana e regressou a Recesinhos. O casal viria a ter cinco filhos.
Em 1846, José Teixeira envolveu-se na Revolução da Maria da Fonte. Serviu sob as ordens do general Sá da Bandeira, a quem terá chegado a salvar a vida. Foi feito sargento e distinguiu-se por valentia em combate, sendo condecorado com a medalha de Cavaleiro da Torre e Espada, a mais alta condecoração portuguesa.
Finda a guerra, com a convenção de Gramido, as coisas correram-lhe mal. Amontoou dívidas que não conseguiu pagar. José Teixeira da Silva tornou-se no salteador Zé do Telhado. 

                   Zé do Telhado com um irmão
Foi o chefe da mais famosa quadrilha do Marão. Saqueou casas senhoriais em todo o Vale do Tâmega e em algumas regiões do Douro. É então que surge a lenda de que roubava aos ricos para dar aos pobres. Terá mantido, em geral, uma postura cortês, quase cavalheiresca, para os donos das casas assaltadas. Diz-se também, que distribuía parte dos saques pelas famílias pobres da vizinhança.
O bandido mais célebre do país foi capturado em março de 1859, quando procurava escapar-se para o Brasil. Conheceu, na cadeia da Relação do Porto, Camilo Castelo Branco, que o lembra nas “Memórias do Cárcere”.
Degredado para Angola, aos 45 anos, viveu em Malange. Fez-se comerciante, negociando no que podia: borracha, cera e marfim. Prosperou. Juntou-se a uma negra, de quem teve três filhos, mas continuou a enviar regularmente dinheiro à esposa. Era conhecido como o Kimuezo, um homem de barbas grandes.
Morreu de varíola, aos 59 anos. Foi sepultado em Xissa, perto de Mucari, a 50 quilómetros de Malange.

Sepultura de Zé do Telhado

De modo curioso, que poderá  ter ou não a ver  com a lenda de salteador na Europa, foi-lhe levantada uma sepultura invulgar, uma espécie de mausoléu. Diz-se que continua a estar bem cuidada, como se existisse alguma forma de culto.





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