DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 18 de abril de 2017


HITLER


Em miúdo, eu lia tudo o que apanhava pela frente. Li uma tradução da Mein Kampf aos catorze anos e não percebi nada. Chegado a velho, continuo sem entender boa parte do modo de pensar de Adolfo Hitler.
Em termos individuais, Hitler foi o principal responsável pelo apagamento relativo da Europa na cena mundial. Aceito que o declínio das velhas potências era inevitável. No entanto, a Alemanha acelerou esse processo. Já o fizera, entre 1914 e 1918. Não percebo as razões por que o Führer não propôs acordos de paz em meados de 1940, numa altura em que os objetivos fixados pela sua propaganda tinham sido largamente ultrapassados.
Curiosamente, algumas das grandes aspirações nazis foram concretizadas mesmo antes mesmo de começar o conflito. A Áustria foi anexada em 1938 e a ocupação dos Sudetas, um território checoslovaco com predomínio de população de origem alemã, foi reconhecida pelas potências europeias no tratado de Munique, em setembro do mesmo ano. Chego a imaginar que os alemães nem tinham necessidade de desencadear a segunda grande guerra. A França e a Inglaterra iam-se pondo cada vez mais a jeito.
Quem mais tem, mais quer. Os alemães sabiam-se fortes e estavam certos de poder vencer os franceses. Isso, eu ainda compreendo. Agora, a única explicação que me ocorre para a continuação da guerra para lá de maio de 1940 é a megalomania de Hitler e dos seus generais.
 Temeriam a reação posterior dos adversários. A Inglaterra e a Rússia tinham as forças intactas. No entanto, apesar da vastidão do seu território, a Rússia era um país pouco desenvolvido e não poderia competir com a pujança da indústria alemã. Quanto à Inglaterra, a verdade é que foi sempre uma ilha que se aliou sistematicamente ao segundo poder mais forte do continente europeu. Teria sido fácil aos alemães negociar com os anglo-saxões, em detrimento de franceses, belgas e portugueses. Falo destes países por também terem colónias. Quanto à Rússia, bastaria prolongar o pacto que chegou a riscar a Polónia do mapa.



Semanas após o desencadear do conflito, a França, o inimigo tradicional da Alemanha no continente europeu, estava vencida. A Dinamarca, a Noruega, a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo tinham sido ocupados. Teria sido possível negociar em posição de força e obter concessões territoriais capazes de satisfazerem a gula germânica.
As colónias portuguesas, e até as suas ilhas atlânticas, seriam presas fáceis. Portugal não era capaz de as defender. Poderiam ser usadas como moedas de troca. O facto de o regime salazarista ser tido como germanófilo serviria de pouco, se a Alemanha ganhasse a II Grande Guerra. Quando da primeira, Portugal começara a lutar contra os alemães em África, dois anos antes da entrada oficial no conflito, que ocorreu apenas em 1916. Por essa altura, as tropas portuguesas haviam sido já batidas em Moçambique, enquanto a situação no sul de Angola, na fronteira com a Damaralândia, fora estabilizada pela intervenção das forças inglesas. Os interesses geoestratégicos da Alemanha não mudaram muito, de 1914 para 1939.
As duas grandes guerras mundiais ditaram o fim dos impérios. Na primeira, caíram os impérios turco e austro-húngaro. Na segunda, desmoronou-se o Império Britânico. A Europa perdeu peso no mundo. Saíram a ganhar os americanos e os russos, que se repartem por dois continentes. Todos os países exclusivamente europeus perderam, incluindo os que alinharam oficialmente do lado vencedor. O «velho continente» deixou de ser o centro económico e político do mundo.  
Tanto os inimigos como os aliados oficiais da França, Inglaterra, Holanda, Bélgica, Espanha e Portugal cobiçavam a liberdade de comércio nas colónias europeias da África, Ásia e Oceânia. No termo do conflito, a Alemanha, provavelmente a única potência europeia que hoje ainda acalenta sonhos de grandeza, foi arrasada. A Inglaterra e a França ficaram reduzidas, de forma provavelmente definitiva, a estatutos de potências medianas. O Reino Unido, como era quem mais tinha, foi quem mais perdeu. A França, a Holanda e a Bélgica desistiram das suas possessões ultramarinas. A Espanha seguiu-lhes o exemplo. 
Os portugueses aguentaram-se mais tempo, sem honra nem glória.  Foram os primeiros a entrar em África, depois dos romanos, e os últimos a sair. Portugal resistiu até que o cansaço dos oficiais mais jovens levou ao golpe militar de 25 de abril de 1974.
Em termos gerais, o espaço deixado vago pela Europa foi rapidamente preenchido. A Rússia construiu o seu próprio império, que iria cair em poucas décadas. Os Estados Unidos da América prescindiram da questão das soberanias. Dominam atualmente o mundo, controlando as economias. Veem, porém, despertar no oriente o gigante chinês, mais tradicional do que a América no que concerne ao exercício de formas de poder.
É fácil conjeturar, embora sirva de pouco. Que seria da Europa e do Mundo se Adolfo Hitler tivesse sido capaz de negociar a paz no termo do primeiro ano de guerra? 


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