HITLER
Em miúdo, eu lia tudo o que apanhava pela frente. Li uma tradução da Mein
Kampf aos catorze anos e não percebi nada. Chegado a velho, continuo sem
entender boa parte do modo de pensar de Adolfo Hitler.
Em termos
individuais, Hitler foi o principal responsável pelo apagamento relativo da
Europa na cena mundial. Aceito que o declínio das velhas potências era
inevitável. No entanto, a Alemanha acelerou esse processo. Já o fizera, entre
1914 e 1918. Não percebo as razões por que o Führer não propôs acordos de paz
em meados de 1940, numa altura em que os objetivos fixados pela sua propaganda
tinham sido largamente ultrapassados.
Curiosamente, algumas das grandes aspirações nazis foram
concretizadas mesmo antes mesmo de começar o conflito. A Áustria foi anexada em
1938 e a ocupação dos Sudetas, um território checoslovaco com predomínio de
população de origem alemã, foi reconhecida pelas potências europeias no tratado
de Munique, em setembro do mesmo ano. Chego a imaginar que os alemães nem
tinham necessidade de desencadear a segunda grande guerra. A França e a
Inglaterra iam-se pondo cada vez mais a jeito.
Quem mais tem, mais quer. Os alemães sabiam-se fortes e estavam
certos de poder vencer os franceses. Isso, eu ainda compreendo. Agora, a única
explicação que me ocorre para a continuação da guerra para lá de maio de 1940 é
a megalomania de Hitler e dos seus generais.
Temeriam a reação posterior dos
adversários. A Inglaterra e a Rússia tinham as forças intactas. No entanto,
apesar da vastidão do seu território, a Rússia era um país pouco desenvolvido e
não poderia competir com a pujança da indústria alemã. Quanto à Inglaterra, a
verdade é que foi sempre uma ilha que se aliou sistematicamente ao segundo
poder mais forte do continente europeu. Teria sido fácil aos alemães negociar
com os anglo-saxões, em detrimento de franceses, belgas e portugueses. Falo
destes países por também terem colónias. Quanto à Rússia, bastaria prolongar o
pacto que chegou a riscar a Polónia do mapa.
Semanas após o desencadear do conflito, a França, o inimigo
tradicional da Alemanha no continente europeu, estava vencida. A Dinamarca, a
Noruega, a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo tinham sido ocupados. Teria
sido possível negociar em posição de força e obter concessões territoriais
capazes de satisfazerem a gula germânica.
As colónias portuguesas, e até as suas ilhas atlânticas,
seriam presas fáceis. Portugal não era
capaz de as defender. Poderiam ser usadas como moedas de troca. O facto de o
regime salazarista ser tido como germanófilo serviria de pouco, se a Alemanha ganhasse
a II Grande Guerra. Quando da primeira, Portugal começara a lutar contra os
alemães em África, dois anos antes da entrada oficial no conflito, que ocorreu
apenas em 1916. Por essa altura, as tropas portuguesas haviam sido já batidas
em Moçambique, enquanto a situação no sul de Angola, na fronteira com a
Damaralândia, fora estabilizada pela intervenção das forças inglesas. Os
interesses geoestratégicos da Alemanha não mudaram muito, de 1914 para 1939.
As duas grandes guerras mundiais ditaram o fim dos impérios.
Na primeira, caíram os impérios turco e austro-húngaro. Na segunda, desmoronou-se
o Império Britânico. A Europa perdeu peso no mundo. Saíram a ganhar os americanos e os russos, que se repartem por dois continentes. Todos os países exclusivamente europeus perderam, incluindo os que alinharam oficialmente do lado vencedor. O «velho continente» deixou de ser o centro económico e político do mundo.
Tanto
os inimigos como os aliados oficiais da França, Inglaterra, Holanda, Bélgica,
Espanha e Portugal cobiçavam a liberdade de comércio nas colónias europeias da
África, Ásia e Oceânia. No termo do conflito, a Alemanha, provavelmente a única
potência europeia que hoje ainda acalenta sonhos de grandeza, foi arrasada. A
Inglaterra e a França ficaram reduzidas, de forma provavelmente definitiva, a
estatutos de potências medianas. O Reino Unido, como era quem mais tinha, foi
quem mais perdeu. A França, a Holanda e a Bélgica desistiram das suas possessões
ultramarinas. A Espanha seguiu-lhes o exemplo.
Os portugueses aguentaram-se mais tempo, sem honra nem glória. Foram os primeiros a entrar em África, depois dos romanos, e os últimos a sair. Portugal resistiu até que o
cansaço dos oficiais mais jovens levou ao golpe militar de 25 de abril de 1974.
Em termos gerais, o espaço deixado vago pela Europa foi
rapidamente preenchido. A Rússia construiu o seu próprio império, que iria cair
em poucas décadas. Os Estados Unidos da América prescindiram da questão das
soberanias. Dominam atualmente o mundo, controlando as economias. Veem, porém,
despertar no oriente o gigante chinês, mais tradicional do que a América no que
concerne ao exercício de formas de poder.
É fácil conjeturar, embora sirva de pouco. Que seria da Europa
e do Mundo se Adolfo Hitler tivesse sido capaz de negociar a paz no termo do
primeiro ano de guerra?
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