REMEXIDO
O
HOMEM DA SERRA
O guerrilheiro miguelista que passou à história com o
nome de Remexido chamou-se José Joaquim de Sousa Reis e nasceu em Estômbar
(Lagoa), em 1796, numa família de camponeses pobres. Foi fuzilado em Faro, no
dia 2 de agosto de 1838.
Órfão aos sete anos, foi recolhido por José Joaquim de
Sousa, prior de Alcantarilha, seu tio e padrinho. Aos catorze anos, entrou para
o Seminário de Faro. Recebeu as Ordens Menores pelos vinte anos. Por essa
altura, apaixonou-se pela Maria Clara, sobrinha do capitão de ordenanças Manuel
Inácio de Bastos, e desistiu da vida eclesiástica. A família da moça opôs-se a
um namoro desigual, mas o rapaz não desistiu das suas pretensões e levou a sua
intenção avante. O casamento foi celebrado pelo padre Alexandre José Águas, o
qual, anos volvidos, seria assassinado pela guerrilha do antigo noivo.
O casamento fez de Joaquim Reis um homem abastado. Não
nascera guerreiro e tinha vistas largas. Outros tempos teriam feito dele um
cidadão de valor para a terra. Interessou-se pelo desenvolvimento de São
Bartolomeu, ajudando a criar uma escola, um forno comunitário e uma feira
anual.
A guerra entre liberais e absolutistas veio marcar-lhe
o destino.
Era alferes de ordenanças, uma força miliciana, e
colocou-se ao lado das tropas absolutistas de D. Miguel. Quando o visconde de
Molellos foi encarregado de organizar a defesa do Algarve, face à ameaça de
desembarque das tropas liberais, nomeou José Joaquim de Sousa Reis comandante
dos Terços de Ordenanças de Silves. O Remexido passava a ter às suas ordens
cerca de três centenas e meia de homens armados.
Sob o comando do brigadeiro Tomás Cabreira, ajudou a
derrotar o marquês de Sá da Bandeira na batalha de Sant`Ana da Serra, em 1834.
Quando o duque da Terceira invadiu o Algarve, Molellos
retirou para o Alentejo. Parte da tropa regular miguelista depôs as armas. Alguns
militares associaram-se em pequenas unidades de guerrilha, a que se foram
juntando populares que pretendiam beneficiar dos saques.
O Remexido ficou e refugiou-se na serra.
Quando as tropas liberais deixaram o Algarve e partiram
para a conquista de Lisboa, deixaram pequenas guarnições nas principais vilas e
cidades do litoral, como Lagos, Silves, Portimão, Olhão e Tavira.
As forças miguelistas aproveitaram-se da retirada da
maior parte das forças liberais para prosseguirem a guerra na região. O major
André Camacho Barbosa encontrava-se em Almodôvar. A 24 de julho de 1933, enquanto
os liberais tomavam Lisboa, atacou a vila de Loulé e passou pelas armas os
cidadãos conotados com os liberais.
O Remexido foi
encarregado de reconquistar as povoações do barlavento, de Lagos a Albufeira.
Como não dispunha de um aquartelamento fixo, subscrevia as proclamações “em
quartel volante”. Uma das suas primeiras iniciativas foi atacar a própria
aldeia de S. Bartolomeu de Messines, a 19 de julho de 1933. Eliminou a
guarnição e chacinou alguns cidadãos que não eram da sua simpatia.
O seu grupo obteve um sucesso considerável nas ações
militares, mas depressa ficou conotado com uma série de crimes cometidos contra
os adversários políticos, no Algarve e no sul do Alentejo. Em 26 de julho de 1833,
na vila de Albufeira, o Remexido terá sido responsável, ou conivente, no
massacre de liberais. Aconteceu uma chacina. Bandidos sedentos de ouro e de
sangue roubaram, violaram mulheres indefesas, fuzilaram e acutilaram homens e
crianças. Ninguém contou os cadáveres, que foram enterrados em valas comuns.
Durante algum tempo, Albufeira ficou conhecida com a “Vila Negra”.
Era preciso pagar aos homens e alimentá-los. Os cofres
públicos e as lojas de venda de tabaco eram os alvos mais apetecidos. Na falta
deles, os guerrilheiros saqueavam as pessoas conotadas com a causa liberal.
Roubavam tudo o que podia ter valor, mas não ficavam por aí, Arrombavam adegas
e celeiros, despejavam vinhos e azeites e destruíam as colheitas. Aconteceu
assim em Alcantarilha, Mexilhoeira, Ferragudo, Porches e nas vilas de Portimão
e Lagoa. Nem Estômbar, a sua terra natal, escapou à pilhagem. Toda a zona do
barlavento algarvio foi devastada pela guerrilha do Remexido. Lagos, que
dispunha de uma guarnição militar suficiente, escapou à pilhagem.
No final oficial da guerra, em lugar de lhe concederem
o perdão a que, nos termos da Convenção de Évora-Monte (1834), tinha direito,
as novas autoridades liberais sujeitaram a esposa do guerrilheiro ao espetáculo
público da rapagem do cabelo e à aplicação de palmatoadas no adro da igreja de
Messines, castigos atribuído na época às prostitutas. Mataram-lhe ainda um filho
de 14 anos. O povo irado incendiou e pilhou-lhe a casa de família.
O Remexido não reagiu de imediato. Consta que esteve
escondido durante vários meses numa gruta do Vale do Barranco.
Regressado ao combate, prosseguiu a guerra, quase por
conta própria. Para alimentar e municiar os seus homens, assaltava as quintas
mais ricas, as aldeias, os viajantes e os portadores de correio.
A guerrilha foi, em parte, subsidiada pelo próprio D.
Miguel e por partidários seus. No entanto, a maior parte do sustento dos
guerrilheiros provinha dos assaltos.
Em 26 de
novembro de 1836, procurando dar novo alento à causa absolutista, D. Miguel
nomeou para Governador do Reino no Algarve e Comandante Interino das Operações
do Sul, o seu fiel servidor José Joaquim de Sousa Reis. O bandoleiro Remexido
era agora governador, pelo menos em título.
A guerrilha do Remexido tinha o apoio dos “serrenhos”
e assolou as povoações da região de Silves e Loulé. As autoridades locais
propuseram uma política de terra queimada: concentrar os habitantes em localidades
vigiadas, recolher o gado e até retirar as colmeias, a fim de se pôr fogo ao
mato onde se acoitavam os guerrilheiros.
A serra passou a estar controlada por doze divisões
militares. As alfaias agrícolas foram recolhidas para que não pudessem servir
de armas e mesmo os ferreiros foram chamados às guarnições militares, para não
apoiarem a cavalaria rebelde.
O Remexido dispersou parte das suas forças, misturando-as
com as populações a que pertenciam. Os bandoleiros miguelistas resistiram às
tropas da rainha até 1838, quatro anos passados sobre a convenção de Évora
Monte.
No dia 28 de julho desse ano, soube-se que o Remexido
estava na Portela da Corte das Velhas, à frente de duas centenas e meia de
homens. O coronel Fontoura ordenou que seguissem imediatamente para lá quatro
colunas militares regulares idas de Almodôvar, S. Martinho das Amoreiras e S.
Bartolomeu de Messines. O inimigo foi localizado e cercado no Monte do Grou,
perto de S. Marcos da Serra. O combate travado foi desigual e meia centenas de
homens foi abatido pelo fogo legalista. Os guerrilheiros retiraram em desordem,
deixando para trás o Remexido, que foi desarmado e preso.
Quando se
soube em Loulé do acontecido, o presidente da câmara mandou repicar os sinos e
acender luminárias nas ruas. O prisioneiro pernoitou na cadeia local. No dia
seguinte, partiu para Faro, onde foi julgado em Conselho de Guerra e fuzilado,
apesar de, segundo se diz, a rainha D. Maria II lhe ter concedido o perdão.
O
Remexido deixou a vida e entrou na lenda.
Fonte:
REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL DE
LOULÉ n.º 13 2009 191. O Remexido e a resistência miguelista no Algarve. José
Carlos Vilhena Mesquita (artigo recolhido na Internet).
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