OS MARÇAIS DE FOZ COA
As invasões francesas provocaram levantamentos
populares um pouco por todo o país. Em Vila Nova de Foz Coa, em 1808, deram-se
vivas ao Príncipe Regente. Gritou-se também: “morram os franceses e os judeus
que os apoiam”. Os camponeses atacaram os pequenos comerciantes, acusando-os de
serem judeus e protegerem os invasores franceses e os seus partidários
Segundo Vasco Polido Valente, um largo «ajuntamento de
povo miúdo com espingardas, foices, piques, picaretas, e machados» atacou as
casas dos poderosos. De acordo com o relato de um observador, «uns arrombaram as
portas, outros fizeram buracos nas paredes, ou abateram os telhados, entraram
todos, quebraram bancas, cadeiras, e tudo o que guarnecia as casas, e estas em
pouco tempo ficaram destruídas, e até arrancados os seus pavimentos»; «os
móveis preciosos e os objetos de valor, que podiam conduzir-se» foram levados e
a pilhagem só cessou «com a total ruína de vinte e tantas famílias das mais
ricas da terra».
António Joaquim Marçal contava, nessa altura, cinco
anos de idade. Nascera em Foz Coa, em 1803, no seio de uma família peculiar. O
seu avô tinha sido condenado à forca e o pai fora degredado para África.
António Joaquim seria morto a tiro numa emboscada, quando viajava sozinho, a
cavalo, para a sua quinta do Farfão.
Tinha
48 anos.
Não sei se os Marçais eram judeus. De acordo com Célia
Taborda Silva, a família refugiou-se na Galiza, para fugir à fúria popular.
Terá ficado arruinada.
Em 1820, com o triunfo da Revolução Liberal no Porto,
os Marçais regressaram e procuraram recompor o património perdido.
António Marçal ficou com uma morte às costas logo aos
25 anos. As circunstâncias desse acontecimento são mal conhecidas. Poderá
ter-se tratado de um ato de legítima defesa. Certo é que foi preso.
Evadiu-se em 1832 e tentou juntar-se ao exército
liberal que combatia no Porto. Não se sabe se chegou lá. Em circunstâncias por
esclarecer, viu-se a chefiar uma guerrilha contra os miguelistas. Finda a
guerra, em 1834, António Marçal não mudou de rumo. Continuou a saquear os
adversários políticos.
O Barão e Visconde de Vila Nova de Foz Coa era
setembrista. Em 1846, a casa do Marçal foi incendiada. Perdeu-se gado e
colheitas. Na véspera do natal do mesmo ano, o antigo Batalhão de Foz Coa, que
já era apenas a quadrilha dos Marçais, entrou na vila para se vingar. Fugiram
perto de cem famílias, incluindo três irmãos do visconde. Deram-se roubos,
fogos postos, espancamentos e assassinatos.
Consta que António Marçal e o administrador de Moncorvo,
António Joaquim Ferreira Pontes, ambos liberais, foram amigos chegados. A
Patuleia separou-os. Quem fugia de Foz Coa e das terras de Riba Coa encontrava
refúgio em Moncorvo. Chegaram a viver em Moncorvo 60 famílias de foz Coa.
Já em 1837, Marçal tinha alinhado pelo Duque de
Saldanha, apoiando as suas tropas contra os setembristas. Por essa altura,
comandava um grupo de 60 cartistas. Ocupou, entre outras, a povoação de Ferreiro,
na estrada do Porto a Viseu. Em 20 de setembro do mesmo ano, a sua quadrilha
tomara conta de Barca de Alva, Pocinho e Barca da Pesqueira. Em 1847, finda a
Patuleia, foi nomeado comandante do Batalhão de Foz Coa.
A sua quadrilha não sossegou, quando o país reencontrou
a estabilidade política. António Marçal continuou igual a si mesmo até ser
assassinado, em 1851. O seu irmão Manuel António Marçal, nascido em 1819, seria
também assassinado, dez anos mais tarde, por dois parentes.
Os Marçais de Foz Coa tinham péssima reputação. Eram
ladrões e assassinos. Consta que no cemitério de Foz Coa existe uma pedra
tumular que cobre os despojos de vários membros dessa família. Diz-se que quase
todos eles foram decapitados.
A família do meu pai era de Foz Coa. Curiosamente, o
meu pai também se chamou António Joaquim. Seria um nome corrente na vila. Eu nasci
em Almendra, que é ali perto. Quando lá voltar, hei de ir ver o cemitério.
Fontes:
Pulido
Valente, Vasco. O povo em armas: a Revolta Nacional de 1808-1809. Análise Social, vol. XV (57), 1979-1.°, 7-48
Taborda
Silva, Célia. Guerrilheiros e bandidos no Douro na primeira metade do século
XIX. Douro – Estudos & Documentos, vol. I (3), 1997 (2º), 111-122.
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