LIBERDADE
IV
25 de ABRIL DE 1974
OS
PRIMÓRDIOS
Estudei Medicina em
Coimbra e permaneci na cidade até ser chamado para a tropa.
Ao longo da década de 60
do século passado, muitos estudantes universitários deram conta da necessidade
de pôr fim à ditadura do vetusto Estado Novo, conceder a independência às
colónias africanas e modernizar Portugal, transformando-o num país livre e democrático.
Cada um participou à sua
maneira nesse lento processo que iria mudar a maneira de pensar de muitos
compatriotas nossos. Eu estou convencido de que a convivência com os oficiais
milicianos, oriundos das Universidades, contribuiu para que os militares de
carreira fossem abrindo os olhos para a tristeza da realidade nacional de
então.
Eu fiz pouco, mas fiz
alguma coisa. Em minha casa, em Coimbra, decorreram algumas reuniões de uma
célula do Partido Comunista Português. Eu não era militante e abria a portas
apenas ao colega que conhecia. Os outros entravam depois. Por razões de
segurança, nunca avistei os restantes.
Às tantas, pediram-me que
escondesse em casa um copiógrafo do Partido. Conservei-o durante uns tantos
meses.
Em 1969, decidi assumir
uma posição política mais interventiva e achei que não poderia correr riscos
exagerados. Pedi aos amigos do Partido Comunista que viessem buscar o
copiógrafo. Como o não fizeram, decorridos alguns meses, deitei-o fora. Julgo
que ainda há quem me queira mal por isso.
Era o tempo das primeiras
eleições legislativas após a queda de Salazar e a sua substituição por Marcelo
Caetano. Depositávamos alguma esperança na evolução política do país. Eu, que
nunca fui bom orador, defendi publicamente numa sessão na sede da CDE, em Coimbra,
a independência das colónias portuguesas. Nas eleições de 1969, a oposição
estava dividida, mas tanto a CDE como a CEUD convergiam na necessidade de
encontrar soluções políticas para a guerra colonial. A rotura completa com as
posições governamentais aconteceu apenas em abril de 1973, em Aveiro, durante o
III Congresso d Oposição Democrática. Foi então exigido “o fim imediato das
guerras de agressão contra os povos de Angola, Guiné e Moçambique”.
Em outubro de 1969, dei
entrada na Escola Prática de Infantaria, em Mafra. Duas semanas após o início
do Curso de Oficiais Milicianos, juntou-se a nós um grupo de cerca de 50
dirigentes associativos de Coimbra, obrigados a interromper os cursos e a ingressar no Exército
como castigo pela participação na crise estudantil desse ano.
O nosso C.O.M. ficou assim
extraordinariamente politizado.
No final de dezembro, na
cerimónia do Juramento de Bandeira, ocorreu a que julgo ter sido a primeira
manifestação pública contra a guerra colonial no interior da instituição
militar. Findo o almoço, um grupo de cerca de 70 cadetes desfilou no grande
refeitório gritando “Abaixo a guerra colonial!” e entoando canções
revolucionárias. Eu já era careca e sabia que seria facilmente reconhecido, mas
o entusiasmo foi maior que o medo.
Ainda receei ser
incomodado pela PIDE, mas tal não aconteceu. A polícia política teria gente
mais importante com quem se preocupar.
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