II
OS PENSADORES E A LIBERDADE
Nos textos filosóficos, a liberdade é muitas vezes discutida em termos de livre-arbítrio e vontade própria, em equilíbrio com a responsabilidade moral.
Os defensores do livre-arbítrio consideram a liberdade de pensamento como uma característica inerente à nossa mente, enquanto os deterministas olham a mente como o funcionamento do cérebro ditado pelas circunstâncias.
Os pensadores que vou referir e tentar perceber escreveram entre a segunda metade do século XVI e o século XX. Poderia, naturalmente, ter feito outras escolhas.
ÉTIENNE DE LA BOÉTIE (1530-1563)
Na sua obra “Discurso sobre a servidão voluntária”, de
la Boétie ocupa-se da liberdade política e considera naturais tanto a
existência da liberdade como a vontade de a defender.
Presume que os homens são livres e iguais e que
qualquer divisão da sociedade em classes conduz à servidão. O filósofo associa
a divisão em classes ao nascimento do Estado e procura explicar as razões que
levam os homens a aceitar a obediência ao Poder.
Aponta o hábito como primeira causa. As pessoas nasceram
em servidão e lembram mal a liberdade. Virá a seguir o encantamento determinado
pelo espetáculo que rodeia o Poder e o faz parecer atraente. Alimenta-se da estrutura
hierárquica do Poder e da distribuição das benesses. Esses fatores conduzem à
transigência. O povo abdica da liberdade e aceita o poder do tirano.
BARUCH SPINOZA (1632-1677)
Para Spinoza, a liberdade identifica-se, em parte,
com a natureza do “ser”. Livre será aquele que agir de acordo com a própria
natureza.
Um homem realiza-se plenamente através do exercício
da liberdade.
A liberdade é irmã da responsabilidade. Ser livre
implica ser responsável pelos próprios atos.
GOTTFRIED LEIBNITZ (1646-1716)
Segundo Leibnitz, as
ações humanas são livres, a despeito do princípio de causalidade que rege os
objetos do mundo material.
São também contingentes,
espontâneas e refletidas.
Contingentes porque poderiam
assumir formas diversas.
Espontâneas porque quem
decide poderia abster-se de o fazer.
Refletidas porque o
homem procura entender as razões que o movem.
ARTHUR
SCHOPENHAUER (1788-1860)
O pensamento de
Schopenhauer desenvolve-se a partir da filosofia kantiana. Immanuel Kant
(1724-1804) estabeleceu a distinção entre o que existe em si mesmo (a
coisa-em-si, a que chamou noumenon) e o que parece ser (fenomeno).
A coisa-em-si
não poderia ser objeto de conhecimento científico. A ciência ocupar-se-ia do
mundo dos fenómenos.
Schopenhauer
identifica a coisa-em-si kantiana como vontade pura. Para ele, a ação humana
não é totalmente livre. Todos os atos humanos e todos os fenómenos da natureza
são níveis de objetivação dessa vontade pura.
O homem – passo
a citar – “objeto entre objetos, coisa entre coisas, não possui liberdade de
ação porque não é livre para deliberar sobre a própria vontade; não escolhe o
que deseja, o que quer; logo, não é livre; é absolutamente determinado a agir
segundo a sua vontade particular, objetivação da vontade metafísica por detrás
de todos os eventos naturais; o que parece ser deliberação é uma ilusão
ocasionada pela mera consciência sobre os próprios desejos.
STUART MILL (1806-1873)
Para Stuart Mill, liberdade é a capacidade de se fazer o que se deseja e se tem poder, ou capacidade, de fazer. O exercício da liberdade tem em consideração os direitos de todos os envolvidos e é limitado pelos direitos de terceiros.
Stuar Mill estabelece a distinção entre dois vocábulos ingleses que nós traduzimos apenas pela palavra liberdade. Freedom significa essencialmente a capacidade e o poder de pôr em prática a própria vontade, enquanto Liberty se refere à ausência de constrangimentos externos e tem em conta os direitos de terceiros.
MIKHAIL
BAKUNIN (1814-1876)
Bakunin foi um
dos mais importantes teóricos e militantes anarquistas.
Em 1848 publicou
o Apelo aos Eslavos, pedindo aos revolucionários eslavos que se juntassem aos
revolucionários húngaros, italianos e alemães para derrubar as três maiores
autocracias da Europa: o Império Russo, o Império Austro-húngaro e o reino da
Prússia.
Para Bakunin,
liberdade não é um conceito abstrato, mas uma realidade concreta baseada na
interação com a liberdade de outros. A liberdade consistirá no "desenvolvimento pleno de todas as
faculdades e poderes de cada ser humano, pela educação, pelo treinamento
científico, e pela prosperidade material."
Tal conceção de liberdade é
"eminentemente social, porque só pode ser concretizada em sociedade,"
não em isolamento. Num sentido negativo, liberdade é "a revolta do
indivíduo contra todo tipo de autoridade, divina, coletiva ou individual."
KARL MARX (1818-1883)
Marx critica as conceções metafísicas da
liberdade. No seu modo de ver, a liberdade não existe fora do mundo material e
são os indivíduos que a exercem na prática ao transformarem as condições
materiais em que vivem.
Nas sociedades capitalistas, a atividade
produtiva transforma-se coercivamente no trabalho assalariado enquanto as
capacidades humanas se reduzem a força de trabalho, negociada no mercado de
trabalho. Nessas condições, a vida humana reduz-se à sobrevivência.
Mesmos as liberdades parciais comuns no capitalismo, como a liberdade económica, que permite vender e comprar
mercadorias, a liberdade de expressão e a liberdade política, que consiste em
escolher quem governa, supõem que os homens se confinem às suas classes
sociais. Se a luta dos proletários tivesse êxito e permitisse abolir a
propriedade privada, seria instaurado o comunismo, que Marx entende como a
associação livre dos produtores.
CARLOS PECOTCHE (1901-1963)
Para o argentino Pecotche, o homem nasce livre. Mesmo
que não dê conta dela, e a liberdade é um dos seus atributos naturais. Os
excessos de liberdade serão evitados pela ligação ao sentimento do dever e à
responsabilidade individual. O conhecimento aumenta o espaço da consciência,
tornando o homem ainda mais livre.
JEAN-PAUL SARTRE (1905-1980)
Para Sartre, a liberdade faz parte
da condição humana. Ou é absoluta, ou não existe. O filósofo francês recusa o
determinismo materialista. Se tudo fosse matéria, não existiria consciência nem
liberdade. Nada antecede ou justifica o ato livre. É o próprio ato que
justifica tudo. O fundamento da liberdade é o indeterminismo absoluto, o nada.
O homem angustia-se por estar
condenado a fazer escolhas.
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