Passou segunda-feira na RTP 2 o filme soviético “Outubro”. É mudo
e foi dirigido por Sergei Eisenstein e Grigori Aleksandrov. A realização é
excelente e a fotografia de boa qualidade. Data de 1928 e pretendia celebrar os
10 anos da Revolução de Outubro.
Confesso que fiquei chocado ao ver o filme. É que Leon Trotsky, o
chefe do Comité Militar Revolucionário que assaltou o Palácio de Inverno do
Czar, assegurando o triunfo da revolução russa, não é referido uma única vez.
Na altura em que o filme foi rodado, Lenine falecera há quatro
anos, Trotsky encontrava-se exilado no Cazaquistão e José Estaline
tornara-se suficientemente poderoso para se poder desembaraçar de Zinoviev e
Kamenev, com quem estabelecera um triunvirato em 1922, quando a doença
incapacitara Lenine.
Estaline conseguiu também que os seus seguidores reescrevessem a
História. José Estaline desconheceria a vergonha e Leon Trotsky desexistiu.
Não sou trotskista. Também não sou marxista, assim como não sou
cristão, apesar de o marxismo e o cristianismo fazerem parte do meu património
cultural. Escrevi, há mais de três anos, integrado num romance por publicar,
uma pequena biografia de Trotsky. Foi apresentada neste espaço, dividida em
capítulos. Na altura em que se celebram 100 anos sobre a Revolução de Outubro,
que teve no mundo um impacto comparável à Revolução Francesa, irei reproduzir
aqui um resumo do que escrevi sobre Trotsky.
O facto de artistas com a categoria de Eisenstein se dobrarem ao
poder político, ou se fiarem cegamente no líder messiânico da União Soviética
até ao ponto de falsearem, grosseira e deliberadamente a História, dá que
pensar.
Leon Trotsky destacou-se pela capacidade organizativa e pelo
talento para a agitação. Foi eleito presidente do Soviete de Petrogrado. Em
outubro de 1917 comandou o assalto ao Palácio de Inverno do czar Nicolau.
Com os bolcheviques no Poder, tornou-se um dos
membros iniciais do Politburo, o Bureau Político do Comité Central
do Partido Comunista da União Soviética. Foi nomeado Comissário do Povo para os
Negócios Estrangeiros, com a missão de negociar o armistício como a Alemanha.
As negociações não correram bem. O Exército russo, já de si frágil,
encontrava-se abalado pela Revolução. Um ataque alemão bem-sucedido obrigou o
governo soviético a aceitar o tratado de Brest-Litovski, em março de 1918.
Trotsky demitiu-se do cargo, depois de ter sido forçado a assinar
esse acordo, que prejudicava gravemente os interesses russos.
Leon Trotsky saiu dos Negócios Estrangeiros e foi
nomeado Comissário do Povo para os Assuntos Militares e Navais e chefe do
Supremo Conselho Militar. Era o comandante do Exército Vermelho e respondia
apenas perante a direção do Partido Comunista.
O
recém-formado Exército Vermelho era pequeno, indisciplinado e mal comandado.
Trotsky sabia que os oficiais não se improvisavam e que os únicos disponíveis
na Rússia tinham servido o czar.
Transformou os pequenos destacamentos independentes numa grande e
disciplinada máquina militar. Introduziu o recrutamento forçado e aceitou a
colaboração de oficiais czaristas, vistos por boa parte dos bolcheviques como
traidores potenciais. Os efetivos do Exército Vermelho subiram de menos de
300.000, em maio de 1918, para cerca de um milhão, em outubro do mesmo ano. Os
pontos de vista de Trotsky foram muito contestados, inclusive por Estaline e
Lenine, mas o Exército Vermelho continuava a crescer e, já com cerca de três
milhões de soldados, enfrentou com sucesso dezasseis exércitos inimigos.
Estaline aproveitou-se habilmente do cargo de secretário-geral
para dominar o aparelho do Partido. Nomeava os funcionários locais, o que lhe
permitia controlar a maioria dos delegados ao Congresso, fazendo eleger para o
Comité Central homens da sua confiança.
O novo líder livrou-se da concorrência logo que pôde. Os seus
aliados Zinoviev e Kamenev cada vez tinham menos peso político. Trotsky, o mais
brilhante dos seus adversários, foi afastado do Poder. Em janeiro de 1925, foi
obrigado a demitir-se das funções de Comissário do Povo para as questões do
Exército e da Marinha e de Chefe do Conselho Revolucionário Militar. Em outubro
de 1927, foi expulso do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética.
Em janeiro do ano seguinte, foi exilado para o Cazaquistão e, meses depois,
deportado.
Partiu acompanhado pela esposa, Natália Sedova e pelo filho Lev
Sedov. Passou quatro anos na Turquia, dois em França e outros dois na Noruega.
O presidente mexicano Lázaro Cardenas acabou por o acolher.
O homem que chefiara o assalto ao Palácio de Inverno dos czares e
que defendera militarmente a revolução comunista contra inimigos poderosos não
voltaria a pôr os pés no solo pátrio.
As ideias políticas de Leon Trotsky constituem a base do trotskismo, uma
corrente ainda importante no marxismo contemporâneo. Trotsky rejeitou a teoria
da implantação inicial do socialismo num único país e advogou a necessidade de
uma «revolução permanente». Afirmou que uma nação socialista não poderia viver
sem democracia e opôs-se ao totalitarismo estalinista. O conceito de «revolução
permanente», habitualmente associado ao trotskismo, é, contudo, mais antigo.
Foi formulado por Marx e Engels, no rescaldo da revolução de 1848.
Estaline não perdoava aos seus adversários. Trotsky era o
mais notório de todos. A repressão estalinista assumiu foros de demência. Os
filhos, genros, noras, netos e outros parentes de Trotsky foram desaparecendo
em purgas sucessivas, na década de 30. Escapou apenas um neto, que se juntara
ao avô, no México.
Lev (Leão) Davidovich Bronshtein, que passou à História como Leon
Trotsky, foi assassinado em Coyacán, na Cidade do México, a 21
de agosto de 19 40. Ia nos sessenta anos e
estava a escrever um livro sobre José Estaline.
A 20 de agosto de 1940, foi atacado em casa pelo agente soviético
Jaime Ramón Mercader del Río Hernández, que ganhara a sua confiança. Logo que
pode, espetou-lhe uma picareta de alpinismo na cabeça.
Trotsky foi levado para um hospital. Ainda foi operado, mas
faleceu no dia seguinte.
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