ESPANHÓIS EM ALMENDRA
Durante
a guerra civil espanhola, um grupo de republicanos espanhóis desarmados
atravessou a fronteira a pé e internou-se várias léguas em território português
para escapar às balas dos franquistas. Falo dum conjunto que chegou a Almendra
e acampou no olival que ficava (e fica) frente à escola.
Foi
o António Moreirão quem me relatou este episódio. A seu ver, poucos, em
Almendra, terão dado conta dele.
O
meu amigo António é mais velho que eu. Era criança quando os factos se deram.
Acha que o episódio de terror que presenciou terá ocorrido no verão, durante as
férias grandes de 1936, ou logo a seguir.
“
Sabes onde é a Rua Nova? Vai da Fonte Grande até à escola. Termina numa curva.
Antes de se chegar ao cimo, nem a escola se vê. Eu ia sozinho e ouvi gritos.
Acelerei o passo. Eram crianças que gritavam. Um grupo de soldados com uma
farda que eu não conhecia estava a obrigar algumas famílias a entrar num
camião, a meio do largo. Às tantas, tive medo de ser levado também. Escondi-me
atrás duma moita, para que não me vissem. Percebi que falavam espanhol. Nessa
altura, eu tinha sete ou oito anos”.
Os
espanhóis fugidos eram homens, na sua maioria, mas traziam com eles algumas
mulheres e crianças. Consta que o médico da terra, representante local da União
Nacional salazarista, alertou os franquistas de Ciudad Rodrigo, que os vieram
buscar. Quase ninguém em Almendra terá dado conta dos gritos de pavor e
angústia soltados pelos infelizes quando se viram capturados.
Nasci
em Almendra há 74 anos e só há meses soube desse acontecimento. Quantos casos
semelhantes terão ocorrido ao longo da raia de Espanha? O nosso país terá sido
olhado, à vez, como um santuário, pelas partes em luta.
Ora,
o olival em causa ainda existe e dista poucas centenas de metros da rua
principal da povoação. É quase impossível que os brados e os pedidos de ajuda
dos republicanos não tenham sido escutados. Naqueles tempos revoltos, as
pessoas tinham até medo de ouvir. Muitas consciências consideram aceitável
fazer por ignorar o mal.
Como
poderiam ter ajudado? É provável que ambas as partes tivessem partidários na
terra. Não se pediria aos camponeses de Almendra que enfrentassem os
franquistas armados. Não teriam, aliás, necessidade de o fazer. Provavelmente,
bastaria que os da terra se mostrassem para que os estrangeiros largassem as
presas e batessem em retirada. Teriam os almendrenses medo ao médico? Seria o
caso de alguns.
Há
histórias que ninguém gosta de lembrar. O medo habitava ambos os lados da fronteira. Calavam-se bocas e almas em troca da segurança das vidas.
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