A MORTE DE JOÃO PAULO I
Na
madrugada do dia 28 de setembro de 1978, a freira Vincenza Taffarel deu com o
papa João Paulo I morto.
Trabalhava
para ele havia 18 anos e servia-lhe habitualmente o café da manhã. Na versão
oficial dos factos, terá sido o padre Diego
Lorenzi, um dos secretários do papa, a encontrar o cadáver. A causa da morte
foi «possivelmente associada com enfarte do miocárdio». A freira fez depois
voto de silêncio, o que levantou suspeitas. Que terá sido obrigada a calar?
O
fim súbito dum papado tão breve alimentou rumores. Aldo Moro tinha sido
assassinado quatro meses antes. Multiplicaram-se os boatos. Alguns deles estiveram na
origem de teorias conspirativas.
Albino Luciani nasceu no norte
de Itália, em 1912. Tinha sido Patriarca de Veneza. Foi eleito Papa, num
conclave rápido, a 26 de agosto de 1978 e entronizado a 3 de setembro. O
cardeal Giuseppe Siri, tido como conservador, era, para a imprensa, o favorito,
mas a imprensa engana-se com frequência. Falava-se de outros nomes. Luciani
nunca trabalhara no Vaticano, o que lhe reduziria as probabilidades de ser
eleito. Muita gente ficou surpreendida com a nomeação, a começar pelo novo
papa. Diz-se mesmo que tentou recusar o cargo.
A hora exata da sua morte é
desconhecida. Foi avistado vivo pela última vez por volta das 23.30. O corpo
foi encontrado às 4.30 da manhã.
Conta-se que previu o próprio fim. «Alguém mais forte
que eu e que merece estar nesse lugar estava sentado à minha frente, durante o
conclave. Ele virá, porque eu me vou.» Diz-se que esse homem era o polaco Karol
Wojtyla.
O papa terá falado na possibilidade da sua morte ao
cardeal John Magee um dia antes de falecer. Ou se sentia doente, ou ameaçado. A
verdadeira causa do óbito é desconhecida. O cadáver não terá sido autopsiado. As leis canónicas dificultariam a
autópsia do Sumo Pontífice e a família não concordaria com ela.
A
Santa Sé declarou que o papa João Paulo I morreu na sua cama de um ataque
cardíaco. Contudo, treze anos mais tarde, alguns familiares afirmaram que o
papa não faleceu na cama, mas no seu gabinete de trabalho.
Esta e
outras incongruências deixam no ar a hipótese de morte violenta de João Paulo I
que, segundo alguns, terá sido envenenado.
O Papa
foi embalsamado depressa demais. De acordo com um comunicado da Ansa, uma
agência de notícias italiana, um automóvel do Vaticano foi buscar às suas casas
os embalsamadores Renato e Ernesto Sinoracci às cinco da manhã, meia hora
depois de ter sido encontrado o corpo do Papa.
O
Vaticano segue, em parte, o paradigma dos impérios: chefe por eleição e
vitalício. Em teoria, o Papa tem um poder quase absoluto. Não existe, contudo,
poder sem conhecimento e não é certo que os altos funcionários da Santa Sé
facultem de imediato aos novos chefes os segredos mais comprometedores.
Lembremos que há secretários que desempenham funções durante papados
consecutivos.
Uma
vez posta a hipótese de assassinato, foram apontados muitos presumíveis
culpados: a Opus Dei, que se erigira em estado dentro do Estado Pontifício; a
Cúria Romana, avessa a mudanças políticas ou doutrinárias; a Maçonaria, que há
muito infiltrara o Vaticano, apesar das ameaças de excomunhão; a Máfia, ligada
a alguns membros da hierarquia católica e às instituições financeiras da
Igreja.
O
Banco católico Ambrosiano fora
fundado no final do sec. XIX, em Milão. O seu nome provém de Santo Ambrósio,
antigo arcebispo da cidade. Em 1971, Roberto Calvi, apoiado pela loja maçónica
P2 (Propaganda Dois), de que era membro, assumiu a sua presidência e criou, na
América do Sul, uma rede complexa de companhias fantasma destinadas a retirar
dinheiro de Itália. Calvi aproximou-se do Banco do Vaticano, oficialmente
designado por Istituto per le Opera di
Religione e do seu presidente, bispo Paul Marcinkus. Financiou o jornal Corriere della Sera, alguns partidos
italianos de Direita e o ditador da Nicarágua, Anastasio Somoza, que enfrentava
a rebelião sandinista. Terá também enviado fundos para o sindicato polaco Solidariedade. Em 1978, ano da morte de
João Paulo I, o Banco da Itália elaborou um relatório sobre o Ambrosiano, prevendo o seu colapso
financeiro e desencadeando uma investigação policial.
O
escândalo do Banco Ambrosiano veio
relançar as suspeitas sobre o eventual assassinato de João Paulo I.
Roberto Calvi
Roberto Calvi
Em
1981, a polícia irrompeu pelas instalações da loja maçónica P2. Prendeu Licio
Gelli, o grão-mestre, e encontrou provas que incriminavam Roberto Calvi. Calvi
foi condenado à pena de quatro anos de cadeia, mas recorreu da sentença e
conseguiu ser libertado.
No ano
seguinte, não foi possível esconder por mais tempo as dívidas da instituição. A
secretária de Calvi, Graziella Corrocher, de 55 anos, deixou um bilhete a
denunciar os prejuízos que o seu chefe causara ao banco e aos empregados, antes
de se atirar duma janela do 5º andar do edifício do Banco Ambrosiano.
Calvi
fugiu do país com um passaporte falso. A 18 de julho, deram com ele enforcado
na ponte Blackfriars, em Londres.
Poderá ter-se tratado de suicídio, mas um
homem, para se matar, precisa de viajar para tão longe?
O Banco do Vaticano perdeu, também, muitos milhões de dólares.
O
escândalo com os investimentos da Santa Sé não terminou aí. Em 1994, o
primeiro-ministro Bettino Craxi, socialista, o ministro da Justiça Claudio
Martelli e Licio Gelli, da loja P2, foram acusados de cumplicidade no caso do
Banco Ambrosiano. Gelli foi condenado
a doze anos de prisão.
Verdadeiro
ou falso, o assassinato dum Papa é um excelente tema jornalístico e literário.
Sucederam-se as publicações a explorar o assunto. No seu livro Em nome de Deus,
o escritor inglês David Yallop sugeriu que o Papa fora assassinado por ter
descoberto esquemas de corrupção no Istituto
per le Opera di Religione. De acordo com Yallop, Albino Luciano teria sido
feito papa por ser considerado um homem modesto e influenciável. Ao assumir
funções, revelara um caráter determinado que lhe iria custar a vida.
A obra
de David Yallop não ficou isolada a defender a teoria da conspiração. Outras se
lhe seguiram. A Santa Sé defendeu-se. Num livro muito bem documentado a que deu
o nome de Um Ladrão na noite, John
Cornwell refutou a argumentação de Yallop e dos seus seguidores. Segundo ele,
Albino Luciani morrera de doença natural.
Nenhum
deles merece inteira confiança. Se Yallop é um jornalista de investigação
especializado em escrever sobre mortes suspeitas de gente famosa, Cornwell,
ex-seminarista, terá tido a sua publicação encomendada e paga pelo Vaticano.
O
estado aparente de saúde do papa é também objeto de controvérsia. Cornwell
afirma que o Papa estava muito doente. Escreveu, perto do final do seu livro:
«João Paulo I quase de certeza morreu de embolia pulmonar. Necessitava de
descanso e de medicação. Se estes tivessem sido receitados, provavelmente
sobreviveria. As advertências de uma doença mortal estavam à vista de todos.
Pouco ou nada foi feito para socorrê-lo».
As
suposições de John Cornwell vão no interesse do Vaticano, que, desejoso de
explicar a morte do papa por causas naturais, tentou convencer a opinião
pública que Albino Luciani tinha a saúde debilitada. São, porém, negadas pelo
testemunho do seu médico pessoal desde os tempos de Veneza, Dr. António Da Ros.
Quinze anos após a morte do Papa, Ros declarou à revista 30 Giorni que o tinha observado cinco dias antes da morte e que a
sua saúde era excelente. Aliás, os conclaves evitam, há muito, elevar ao papado
cardeais demasiado doentes.
Há quem tente ligar a morte de João
Paulo I a vaticínios e premunições.
Segundo alguns, o Papa teria adivinhado a morte próxima. Dizem outros que a profecia feita por Nostradamus no séc. XVI se refere a ele:
Segundo alguns, o Papa teria adivinhado a morte próxima. Dizem outros que a profecia feita por Nostradamus no séc. XVI se refere a ele:
O papa eleito será traído pelos
seus eleitores,
Esta pessoa prudente será reduzida
ao silêncio.
Irão matá-lo por ele ser muito
bondoso,
De
acordo com um dos irmãos de João Paulo I, a Irmã Lúcia, que ele visitou no
Carmelo de Coimbra quando era Arcebispo de Veneza, teria também feito uma
profecia. Tratou o Cardeal Luciani por Santo Padre. Luciani ficou intrigado e
perguntou «Porquê?» Lúcia terá respondido: «Vossa
Eminência será feito papa… Mas terá
um pontificado muito breve…»
Lúcia
nunca teve muito juízo e gostou sempre de dar nas vistas. Não foi, contudo, a
vidente quem associou Albino Luciani ao «bispo vestido de branco» que terá sido
avistado por ela e pelos seus primos Jacinta e Francisco durante uma das
supostas aparições de Nossa Senhora de Fátima, em 1917.
Luciani
foi Papa durante trinta e três dias. Pode ter tido morte natural, mas as
declarações oficiais da Santa Sé, cheias de imprecisões, contribuíram para
alimentar a teoria do seu assassinato. Nada teria acontecido de novo no palácio
de São Pedro. Muitos dos seus antecessores tiveram morte violenta. Pelo menos dez foram envenenados.
A pressa em chamarem os embalsamadores aumentou as suspeitas. Não se vê para ela outra explicação, senão o descontrolo dos responsáveis do Vaticano e a urgência em se desembaraçarem das evidências do suposto crime.
(Capítulo do livro de António Trabulo, por publicar, Estranho ofício de Matar)
A pressa em chamarem os embalsamadores aumentou as suspeitas. Não se vê para ela outra explicação, senão o descontrolo dos responsáveis do Vaticano e a urgência em se desembaraçarem das evidências do suposto crime.
(Capítulo do livro de António Trabulo, por publicar, Estranho ofício de Matar)
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