LVI
O CAPITÃO
PERALTA
Da
fronteira da Guiné-Bissau ainda se avistam os últimos contrafortes do maciço
do Fouta Djalon. São já colinas, com manchas verdes de arrozais dispersos. Para
cá, começa a savana. A erva chega aos ombros, a perder de vista. A floresta
ladeia os rios e guarnece a fronteira com o Senegal. A faixa costeira é
franjada por mangais que sobem ao longo dos estuários e mergulham as raízes,
ocultando a terra firme.
Entre
a maré alta e a baixa, a superfície do território modifica-se em cerca de sete
mil quilómetros quadrados. É muito, para uma área total que ultrapassa pouco os
trinta e seis mil. Sobretudo a sul, o mar entra pela terra. Sucedem-se
as rias, os riachos, os pântanos e as lagoas. Amílcar Cabral conhecia bem a
geografia da terra onde nasceu. Ouçamo-lo:
Na
Guiné, terra cortada por braços de mar, que nós chamamos rios, mas que no fundo
não são rios: Farim só é rio para lá de Candjambari; o Geba só é rio de Bambadinca
para cima e por vezes mesmo para lá de Bambadinca há água salgada; Mansoa só é
rio depois de Mansoa, já a caminho de Sara, perto de Caroalo; Buba,
esse não é rio de lado nenhum, porque até chegarmos a terra seca, é só água
salgada; Cumbidjã, Tombali, são todos braços de mar, a não ser na parte
superior com um bocadinho de água doce na época das chuvas, sobretudo o rio de
Bedanda, que vem a Balama buscar água doce. O único rio de facto a sério, na
nossa terra, é o Corubal.
Cuba prestou um apoio importante ao PAIGC, embora não se tenha empenhado tanto na Guiné como em Angola. Dizia-se que os condutores dos automóveis do partido, em Conakry, se conheciam por serem guiados por cubanos a fumar charutos.
O infeliz capitão Peralta foi, que eu
saiba, o único conselheiro militar cubano apanhado pelas nossas tropas.
Participou num ataque ao quartel de Buba, que tinha uma pista de aviação.
Peralta andou a fazer reconhecimentos
para preparar o assalto. Uma patrulha portuguesa encontrou vestígios de passagem
de pessoas à volta do quartel e avisou o comandante. Um pelotão de soldados de
infantaria foi mandado emboscar, nessa noite, num lugar apropriado.
Avançaram três bigrupos pelo capim, que
dificultava muito a visibilidade. Um bigrupo equivalia a meia companhia nossa.
A tropa emboscada abriu fogo e os atacantes puseram-se em fuga. Peralta foi
ferido e capturado. Tinha com ele os planos da operação.
A guerra também tem episódios caricatos.
Buba fica a sudoeste da Guiné, no extremo do Rio Grande que tem o seu nome.
Peralta fez o reconhecimento da zona com a maré cheia e quase só viu água: o
rio e os seus múltiplos braços. Os bigrupos avançaram pelo capim. Quando
alcançaram a vizinhança da povoação, a maré vazara. Onde antes estava água,
havia agora terra. O rio estava lá ao fundo. Parecia tratar-se duma região
diferente.
Os guerrilheiros ainda montaram a
artilharia ligeira mas, quando os soldados portugueses dispararam, tentaram
escapar-se para o rio. Foram avistados pelos nossos fuzileiros e deu-se a
debandada completa.
O que espanta nessa história, que é
relatada por Carlos Fabião, não é a ignorância das condições do terreno por
parte de um capitão cubano. Admira é que os comandantes dos bigrupos, que
conheciam bem o território onde lutavam, o tenham seguido. Grande seria o
prestígio de Fidel Castro na África Equatorial…
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