DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 14 de julho de 2013

                           LVI

                O CAPITÃO PERALTA



Da fronteira da Guiné-Bissau ainda se avistam os últimos contrafortes do maciço do Fouta Djalon. São já colinas, com manchas verdes de arrozais dispersos. Para cá, começa a savana. A erva chega aos ombros, a perder de vista. A floresta ladeia os rios e guarnece a fronteira com o Senegal. A faixa costeira é franjada por mangais que sobem ao longo dos estuários e mergulham as raízes, ocultando a terra firme.  
Entre a maré alta e a baixa, a superfície do território modifica-se em cerca de sete mil quilómetros quadrados. É muito, para uma área total que ultrapassa pouco os trinta e seis mil. Sobretudo a sul, o mar entra pela terra. Sucedem-se as rias, os riachos, os pântanos e as lagoas. Amílcar Cabral conhecia bem a geografia da terra onde nasceu. Ouçamo-lo:
Na Guiné, terra cortada por braços de mar, que nós chamamos rios, mas que no fundo não são rios: Farim só é rio para lá de Candjambari; o Geba só é rio de Bambadinca para cima e por vezes mesmo para lá de Bambadinca há água salgada; Mansoa só é rio depois de Mansoa, já a caminho de Sara, perto de Caroalo; Buba, esse não é rio de lado nenhum, porque até chegarmos a terra seca, é só água salgada; Cumbidjã, Tombali, são todos braços de mar, a não ser na parte superior com um bocadinho de água doce na época das chuvas, sobretudo o rio de Bedanda, que vem a Balama buscar água doce. O único rio de facto a sério, na nossa terra, é o Corubal.
Cuba prestou um apoio importante ao PAIGC, embora não se tenha empenhado tanto na Guiné como em Angola. Dizia-se que os condutores dos automóveis do partido, em Conakry, se conheciam por serem guiados por cubanos a fumar charutos.
O infeliz capitão Peralta foi, que eu saiba, o único conselheiro militar cubano apanhado pelas nossas tropas. Participou num ataque ao quartel de Buba, que tinha uma pista de aviação.
 Peralta andou a fazer reconhecimentos para preparar o assalto. Uma patrulha portuguesa encontrou vestígios de passagem de pessoas à volta do quartel e avisou o comandante. Um pelotão de soldados de infantaria foi mandado emboscar, nessa noite, num lugar apropriado.
 Avançaram três bigrupos pelo capim, que dificultava muito a visibilidade. Um bigrupo equivalia a meia companhia nossa. A tropa emboscada abriu fogo e os atacantes puseram-se em fuga. Peralta foi ferido e capturado. Tinha com ele os planos da operação.
 A guerra também tem episódios caricatos. Buba fica a sudoeste da Guiné, no extremo do Rio Grande que tem o seu nome. Peralta fez o reconhecimento da zona com a maré cheia e quase só viu água: o rio e os seus múltiplos braços. Os bigrupos avançaram pelo capim. Quando alcançaram a vizinhança da povoação, a maré vazara. Onde antes estava água, havia agora terra. O rio estava lá ao fundo. Parecia tratar-se duma região diferente.
Os guerrilheiros ainda montaram a artilharia ligeira mas, quando os soldados portugueses dispararam, tentaram escapar-se para o rio. Foram avistados pelos nossos fuzileiros e deu-se a debandada completa.  
O que espanta nessa história, que é relatada por Carlos Fabião, não é a ignorância das condições do terreno por parte de um capitão cubano. Admira é que os comandantes dos bigrupos, que conheciam bem o território onde lutavam, o tenham seguido. Grande seria o prestígio de Fidel Castro na África Equatorial…



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