JE NE SUIS PAS CHARLIE!
II
Há quem diga que a guerra generalizada entre cristãos e
muçulmanos já começou. O Estado Islâmico do Iraque e da Grande Síria (ISIS) assenta num grupo jihadista que proclamou um califado nas regiões que domina na Síria e
no Iraque. Abu Bakr al-Baghdadi foi nomeado califa e reclama autoridade
religiosa sobre todos os muçulmanos do mundo. Provavelmente, não viverá muito
tempo.
Os jihadistas movimentam-se à vontade em meia dúzia de
países, do norte do Pakistão ao Chade, e exploram campos petrolíferos.
Curiosamente, esse exército islâmico radical está a exercer
um notável efeito de atração entre jovens muçulmanos residentes em países
ocidentais. São milhares os que deixam o conforto da vida na Europa para irem
lutar e morrer pelo califa.
A guerra, por enquanto, é essencialmente civil.
As vítimas dos combates publicitados quase diariamente nas televisões são quase
todas muçulmanas. Poderá deixar de ser assim, se os ataques aéreos efectuados
pela NATO e pelos seus aliados passarem a ser complementados com a participação
de tropas terrestres ocidentais.
Por outro lado, não cessam os apelos para que os militantes
islâmicos façam correr o sangue dos cristãos nos seus países de acolhimento. Os
atentados de Paris enquadram-se neste contexto.
A tratar-se duma guerra, será conveniente ter em conta todos
os factores que lhe possam influenciar o desenlace. Poucos combates se ganham quando não existe o cuidado de compreender as diversas características das partes que se opõem nem se faz um esforço para reduzir o
número de possíveis inimigos, chamando para o nosso lado todos os elementos
aproveitáveis. Os chefes militares procuraram sempre conquistar aliados.
Bem… Nem sempre. No Leste de Angola, durante os primeiros
anos da década de 70, ocorreu a chamada «Operação Madeira». O general português
Bethencourt Rodrigues e o chefe guerrilheiro Jonas Savimbi iniciaram
negociações intermediadas por madeireiros e alcançaram um acordo: a UNITA e o
exército português não se atacariam mutuamente, libertando forças para combaterem
o MPLA e a FNLA. A situação militar no Leste passou a ser favorável aos
militares de Lisboa.
Em Abril de 1973, Bethencourt Rodrigues foi substituído pelo
general Abel Raposo Hipólito. Em Setembro, Hipólito lançou uma vasta ofensiva
sobre as bases da UNITA e garantiu a Portugal a hostilidade daquele movimento. Não
terá prestado grande serviço ao seu país.
Prossigamos. O assassinato bárbaro dos jornalistas do Charlie Hebdo foi encarado
como um ataque inaceitável à liberdade de expressão.
Ora, a liberdade de
expressão, como todas as liberdades, acaba quando afecta a liberdade e a
dignidade dos outros. Servem para alguma coisa as caricaturas do profeta Maomé?
Alguém ficou mais feliz, ou mais sabedor, depois de as ver? No meu ponto de vista, tratou-se
de provocações gratuitas e perfeitamente dispensáveis. A estupidez e a
violência da resposta não dão razão às vítimas, que a não tinham. Mesmo os muçulmanos
moderados, que pretendem viver em paz na Europa, se sentem humilhados e ofendidos
com o que consideram um desrespeito por um dos seus símbolos mais sagrados.
De que serve lançar gasolina na fogueira?
Continua
Sem comentários:
Enviar um comentário