DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

                             FOZ COA


Zé Arcanjo deu uma volta pela terra. Não era grande, mas tinha pontos de interesse. Iam passando automóveis, mas não se via muita gente a caminhar. A população era reduzida. Na véspera, fizera uma consulta rápida na Internet. A informação sobre o concelho era relativamente limitada. O vale do Coa e as gravuras rupestres chamavam mais as atenções do que a antiga Vila Nova. Ainda assim, pôde ler que, décadas atrás, algumas das suas dezassete freguesias tinham mais gente do que possuía agora a cidade. As pessoas fugiam do interior. Ou emigravam para França, ou se mudavam para mais perto, indo estabelecer-se na faixa costeira do País, onde era mais fácil conseguir emprego e governar a vida.


A Rua de São Miguel, pavimentada em calçada portuguesa, fora vedada ao trânsito. Era ladeada por casas de dois pisos, de idades e estilos de construção desiguais. Muitas apresentavam varandas salientes. As mais antigas tinham as esquadrias de portas e janelas em blocos de granito que o tempo acastanhara e conservavam nas varandas as proteções de ferro forjado. Algumas lojas conservavam os nomes antigos mas estavam encerradas. Eram efeitos da crise.


Zé Velasco caminhou durante alguns minutos e foi ter à Praça da República. Seguiu em frente até ao Largo do Município onde se tinham concentrado os antigos poderes do concelho: a administração, a cargo da Câmara Municipal, a direção espiritual, abrigada na igreja matriz e a Justiça, simbolizada pelo pelourinho.


A Câmara Municipal era um belo palacete do século XIX. 


    O pelourinho, em estilo manuelino, datava do século XVI. Era constituído uma coluna quadrangular encimada por um capitel complexo, decorado por quatro pináculos com escudetes, a rodear uma flor-de-lis.
Como outras, a igreja fora sendo alterada ao longo dos anos. 


De manuelino, conservava o belo pórtico, encimado pela imagem de Nossa Senhora do Pranto, ladeada por dois escudos reais e por um par de esferas armilares. 


     A rosácea era pequena, deixando adivinhar a penumbra no interior. O coroamento era de influência castelhana, com três ventanas abertas para os sinos, a fazer lembrar a proximidade da fronteira. A abraçar a bela fachada de granito, o reboco pintado de branco revestia as paredes do resto do templo.


Velasco entrou na igreja. As robustas colunas cilíndricas de granito tinham sido abaladas pelo terramoto de 1755. Resistiram, mas deixaram-se inclinar, sobretudo à direita e ao fundo. Pareciam fatigadas, como velhos funcionários públicos à espera da reforma. Aquela obliquidade insólita não chegava a meter medo, mas não tranquilizava os visitantes. Indiferentes às zangas do planeta, erguiam-se os altares barrocos, em talha dourada. O teto, de madeira pintada em tons que o tempo fizera escuros, retirava luz ao espaço de culto.

Texto adaptado do romance FÁTIMA, de António Trabulo, que aguarda publicação.

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