AINDA O ACORDO ORTOGRÁFICO
Recentemente, a
Associação Portuguesa de Escritores realizou um inquérito destinado a conhecer
as posições dos seus associados sobre o Acordo Ortográfico. 86,7 por cento dos
inquiridos pronunciaram-se contra. Eu votei com a minoria. Sou um democrata e
respeito a votação, mas não fiquei convencido.
Nós não somos donos da língua portuguesa. Criámo-la, mas
constituímos atualmente uma minoria das pessoas que a falam. É um dos nossos
maiores legados para a cultura universal. Existem cerca de 225 milhões de
lusófonos. Em Portugal, somos apenas dez milhões. Fiz a conta. Dá 4,4 por
cento. Podem, naturalmente, ser feitas outros cálculos. A verdade é que,
excetuando o Brasil, uma parte não contada, mas significativa, da população desses
países desconhece a nossa língua. Os agricultores do interior de Angola e
Moçambique continuam a comunicar nos dialetos gentílicos. Nessas paragens, o
domínio do Português é um privilégio das elites.
O processo que conduziu ao Acordo Ortográfico foi complexo,
moroso e muitas vezes interrompido.
A obra notável de Gonçalves Viana “Ortografia Nacional”,
publicada em 1904, foi pouco contestada e esteve na base da reforma oficializada
em 1920 pelo governo da República Portuguesa. Teve como consequência um cisma
ortográfico: Portugal adotou uma ortografia simplificada, enquanto o Brasil
manteve o modo antigo de escrever.
Entre 1931 e 1943, a Academia de Ciências de Lisboa e a
Academia Brasileira de Letras mantiveram contactos e negociações que permitiram
que, em 1943, fosse assinada uma Convenção Ortográfica entre Portugal e o
Brasil. A tentativa de acordo não vingou.
Ao longo da década de 70, foram sendo dados novos passos de
aproximação. Em 1986, no Rio de Janeiro, foi assinado por representantes de
todos os países de língua oficial portuguesa um novo ajuste que, depois de
aperfeiçoado, viria a ser oficializado. Era o Acordo Ortográfico de 1990, que
seria ratificado pela Assembleia da República Portuguesa em 2008, numa versão
intitulada “Segundo Protocolo Modificativo”. Tem sido contestado, pelo menos,
em Portugal, Angola e Brasil.
Na discussão deste tema, julgo que deverão ser ponderadas
primeiro a necessidade e a oportunidade e, depois, os custos de uma eventual
alteração. Será também conveniente perspetivar, na medida do possível, as
alterações que o futuro nos trará.
Comecemos pela necessidade. Se olharmos para os lados,
encontraremos indicações que vão em sentidos opostos. Os nossos vizinhos
espanhóis acordaram, com os países sul-americanos que em tempos colonizaram,
uma forma única de escrita que pouco interfere na conhecida autonomia das
pronúncias. Ao contrário, os ingleses nunca procuraram estabelecer normas
internacionais de ortografia, apesar de existirem variantes consideráveis nos
diversos países anglófonos. O árabe e o francês, que são também das línguas
mais faladas do mundo, nunca precisaram de acordos ortográficos para serem
reconhecidas internacionalmente, embora contem com muitos cambiantes.
As línguas são vivas e tendem a diversificar-se. Acho
preferível haver um acordo, mesmo que não seja perfeito, do que deixar a língua
à solta, sem nenhum mecanismo que procure regulá-la. Não sou linguista, mas
para falar de política de defesa nacional não é preciso ser militar, e para
opinar sobre saúde não é indispensável ser médico ou enfermeiro. Acredito na
utilidade dum instrumento regulador. A meu ver, boa parte das alterações
propostas vem apenas apressar uma evolução que iria ter naturalmente o mesmo
resultado, anos mais tarde.
Os peritos dos oito países lusófonos decidiram valorizar a
pronúncia em detrimento da etimologia. A questão do Acordo divide os
portugueses, bem mais do que seria de esperar dum assunto técnico. Os puristas
encontram argumentos na raiz latina ou grega de muitos dos nossos vocábulos.
Acham que a correção da linguagem deve passar pelo respeito escrupuloso das
regras gramaticais vigentes. Outros pensam que a escrita deve acompanhar de
perto a evolução verbal. As novas expressões orais que se vão popularizando
terão tanta legitimidade como as antigas. Considero que qualquer acordo deveria
harmonizar as duas tendências.
Passemos à oportunidade. Pessoalmente, penso que era tempo de reformular a nossa ortografia. Julgo que este processo nasceu de
forma errada. Teria sido mais fácil começar a revisão dentro de portas.
Antes de se chegar a um acordo internacional, o problema deveria ter sido discutido até se alcançar um consenso nacional. O latim está na
origem da maioria dos nossos vocábulos, mas não gostaria que nos tentassem
obrigar a todos a falar latim ou grego.
O Acordo espevitou os nacionalismos. Portugal é um Estado
independente há quase novecentos anos e a língua faz parte da sua identidade
nacional. No entanto, há muito que a partilhámos com outros. Tenho orgulho
nisso.
Há quem pense, de
forma mais ou menos consciente: “primeiro, tiraram-nos as colónias; agora,
querem roubar-nos a língua!”
Ninguém nos rouba nada. A língua portuguesa é tanto deles
como nossa.
Existe ainda quem considere que o Acordo Ortográfico é um
instrumento da política geoestratégica do Brasil.
Falemos agora dos custos de um voltar atrás que continuo a esperar
que possa ser evitado. Existem factos consumados. A partir do ano letivo
2011-2012, as nossas crianças começaram a aprender a nova grafia. Se os pais e
os avós quiserem ajudá-los nos trabalhos de Língua Portuguesa, terão de
conhecer e respeitar o seu modo de escrever. Mudar as regras a meio da
aprendizagem implicaria lançar a confusão numa geração inteira de miúdos.
O Acordo Ortográfico modificou a grafia de uma minoria de
palavras (1,6% em Portugal e 0,5% no Brasil). Para os brasileiros, as
diferenças maiores assentam no uso do hífen e na acentuação dos ditongos.
Para nós, a modificação mais importante reside no abandono
das consoantes mudas. Aceito que tais consoantes que, segundo os puristas,
diferenciam as palavras homófonas e respeitam a etimologia, são dispensáveis. Secundariamente,
desaparece o hífen em algumas conjugações do verbo haver e modifica-se a
acentuação de diversos vocábulos.
Um dos obstáculos à implementação de mudanças foi sempre a
inércia. As pessoas têm receio do esforço necessário para modificar os
comportamentos. Desta vez, a tecnologia favoreceu as alterações. Os corretores
de texto adotam instantaneamente a grafia antiga à nova, simplificando o
processo de transição.
Ainda bem que não escrevemos com carateres chineses… O
caminho deles vai ser bem mais árduo que o nosso. No entanto, o processo de
simplificação ortográfica do mandarim já começou. Nos teclados dos computadores
chineses, o mesmo caráter assume vários significados, dependendo do contexto em
que é inserido.
A meu ver, a revisão da ortografia da nossa língua poderia
ter ido mais além. De que servem os “h” no início das palavras?
Julgo que, em Portugal, nunca se escreveu tanto, nem tão bem.
Tal não admira, dada a elevada prevalência de analfabetismo no nosso país, no passado. Há, contudo, um fenómeno a que deverá dar mais atenção: a
generalização do uso dos telemóveis conduziu já à criação de uma grafia própria
e simplificada.
As comunicações entre os jovens fazem-se, sobretudo, por
mensagens SMS (“Short Message Service” ou, em português “Serviço de Mensagens
Curtas”. Atrevo-me a presumir que, hoje em dia, se escreve muito mais ao
telemóvel do que ao computador ou à mão.
Entre os que os que comunicam dessa forma, o uso do “k”
generalizou-se para substituir o “qu”, quando o “u” não se pronuncia, embora
haja também quem use o “q” simples. Foi o que o “f” fez ao “ph”, cerca de um
século atrás. Por outro lado, o “ch” é quase universalmente substituído pelo “x”.
Mais tarde ou mais cedo, este fenómeno terá repercussão na escrita oficial. Os
puristas da grafia que se cuidem…
Modernamente, existem mecanismos poderosos de regulação da
linguagem que não precisam de ser acordados. De início, foram apenas os livros.
Apareceu, depois, a rádio e, agora, é principalmente a televisão. Tanto o modo
de falar dos locutores como a dicção dos personagens das telenovelas irão ter
uma repercussão determinante. A pronúncia é também uma questão de moda.
Se o nosso governo pretender conservar no mundo lusófono o
modo nacional de falar e escrever, não precisa de se preocupar demasiado com
tratados internacionais. Deve criar prémios literários dirigidos aos escritores
dos PALOP, investir em bolsas de estudos para os jovens jornalistas mais prometedores, e incentivar a produção conjunta de telenovelas, como se tem já feito com
Angola.
Isto “não é uma questão de opinião, mas sim um problema jurídico” e que o processo ficou pela fase da ratificação, o que não chega para pôr um acordo em vigor.
ResponderEliminarO acordo (o aborto) “nunca reuniu unanimidade dos países de expressão portuguesa, nunca esteve em condições, nem está, de poder entrar em vigor, porque Angola e Moçambique e também a Guiné-Bissau, não o ratificaram, nem o ratificam. Se pretendessem fazê-lo já o teriam feito há bastante tempo, por isso este acordo que não é acordo nenhum, apenas um aborto, é manifestamente inconstitucional, apoiado numa resolução do conselho de ministros, imposto à viva força a todas as instituições do Estado, incluindo a Educação, à revelia dos Estados de expressão portuguesa como acima se refere, a não confirmação autêntica do que foi prometido, a não validação ou comprovação do seu conteúdo) !
AFMata