TAMEGÃO
CARLOS NUNES PINTO
V
“ Quando a verdade se descuidou, a mentira
tomou sexo e se multiplicou.”
Já o sol tinha começado a
arrefecer e a lua cumpria sentinelas, pai e filho arrancaram virados ao mato.
Caçar era bom para o miúdo se constituir em músculos. Para quê se arrimar em
versos, se versos não se come quentes em fogueira de lenha branda?
− É preciso carne no
esquecimento da fome
− Então vamos, pai.
Setas de ferro de pontas
aguçadas. Na outra ponta, penas de águia da realeza, dentro da aljava,
pele de búfalo que se arredondou virado saco. Zagaia de pau feito meia-lua no
esticão da corda de sisal, de verde já perdido que de tanta porrada se
desfibrou.
Para o filho se minuiram
utensílios para lhe dar capacidades de acreditar ser repetição do pai. A
mentira levantava poeira invisível nos olhos do sol e nas vergonhas da
lua.
O sol se apagou. A lua,
que ainda era nova, não se revelou.
No breu se sumiram na
aventura, pai na frente, filho nas pegadas.
Rodopiando em brilho,
venenosa cobra se aventurou em beijo, picando a barriga tenra da perna da
criança. Picou e repicou, transformando silêncios em gritaria de batuque.
O pai ainda conseguiu ver
a criminosa se refugiar no capim seco, produzindo ruídos, arrepiando pêlos.
A criança caiu desamparada
na secura da terra, no desânimo do sono da morte.
O pai, no instante, puxou
o punhal, cortou o feitio da dentada e chupou veneno que se transformava em
cuspo involuntário.
Nos intervalos, gritava:
− Reage na vida, dá
pontapé na morte!
Parecia às vezes chorar.
Afinal eram apenas restos mal cuspidos do veneno que lhe estavam queimando
dentro dos olhos.
− Respira, grita, se
movimenta faz favor, meu filho!
O menino abriu os olhitos,
já quase revivido.
O pai, no silêncio da
noite, chorou lágrimas das alegrias recebidas.
− Pai, alguém me salvou?
− Foi Tamegão, meu filho,
eu vi!
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