EU E A PESCA
I
O meu neto Vasco pediu-me
que o levasse a pescar. A ideia não pode ter nascido na cabeça dele. Tem cinco
anos e só viu peixes vivos no Aquário Vasco da Gama. Foi a minha filha mais
velha que inventou mais uma maneira de o aproximar do avô.
A pequena conversa serviu
para me avivar a memória. Durante boa parte da minha vida, fui pescador, ou
fingi sê-lo. Pesquei os primeiros peixes no Rio Cunene, na parte de cima das
cataratas do Ruacaná.
Ia nos catorze anos e viajara, numa excursão da Mocidade
Portuguesa, até perto da fronteira de Angola com o Sudoeste Africano (atual
Namíbia). Alguém levara linha e anzóis. Não me lembro quem foi, mas estou certo
de não ter sido eu. Os peixes desconheciam essas modernices e deixaram-se
apanhar.
Fiquei a pensar que aquilo
era fácil.
No regresso ao Lubango,
onde morava, tentei fisgar o Senhor Messias. Era um bagre grande que morava no
poço do quintal da minha amiga e vizinha Fernanda.
Aquilo era praticamente um
aquário e o peixe era de estimação. Velho e astuto, mostrou-se indiferente aos
variados petiscos que eu lhe fui propondo no anzol. Passaram sessenta anos. Que
são sessenta anos? Se calhar, o Senhor Messias ainda lá nada.
A vida puxou-me para fora
do Lubango e, a dada altura, levou-me para o norte do Oceano Atlântico. Ocasionalmente,
o Gil Eannes fundeava em locais onde havia peixe. Eu e o meu colega Barros
Pereira tínhamos muito tempo livre e entretínhamo-nos a pescar. Eram quase
sempre solhas, que o cozinheiro aproveitava para variar a ementa.
No total das duas
campanhas, passei três meses em navios de pesca à linha, com dóris. De vez em
quando, as embarcações calhavam em fundos onde o bacalhau abundava. Certo dia,
na costa da Gronelândia, perto do Círculo Polar Ártico, apanhei mais de cento e
cinquenta quilos de bacalhau. Metade dos pescadores do Neptuno capturaram menos
do que eu. Fiquei com as mãos gretadas pelo fio de nylon da azagaia, mas a
fossanguice impedia-me de parar.
Mais tarde, e durante anos a fio, dediquei-me à pesca na Baía de Setúbal. Falarei disso noutra ocasião.
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