EU E A PESCA
III
Vou continuar a falar da
pesca e da minha relação com ela.
A verdade é que nunca fui
um pescador a sério. Ao dizer “ a sério”, pretendo escapar ao estereótipo.
Nunca aumentei um centímetro ao tamanho dos peixes que capturei ou que me
fugiram.
Em tempos, cheguei a levar
dois sobrinhos para a pesca. Tentámos pescar num braço do Rio Sado, junto à
central térmica. Os seres que andavam lá no fundo mostravam-se lesto a limpar
os anzóis, sem se deixar apanhar. Comentou o Osvaldo:
− Esses tipos são
profissionais!
Houve alturas em que me
deu para pescar em barragens. Usava asticot
e verdemin, à procura de achigãs, mas
os peixes grandes que vinham no anzol eram sempre carpas.
Casei, há mais de
cinquenta anos, com uma excelente cozinheira. No entanto, a preparação de
peixes de água doce está longe de ser a sua especialidade. Cozinhou as carpas o
melhor que soube, mas o resultado foi desastroso: nem nós lhe pegámos, nem o
cão as quis. A partir dessa altura, quando calhava capturar alguma carpa que se
visse, na barragem do Castelo de Bode, onde fazia campismo, pavoneava-me com
ela do embarcadouro até à tenda e depois em sentido inverso, para a oferecer ao
rapaz do bar, que as apreciava.
"Mabeco", o meu primeiro barco
Nunca me dei bem com os
achigãs, mas não fui o único. Certo dia, levámos connosco um colega. Era
fisioterapeuta, mas inexperiente nas artes da pesca. Como a sorte protege quase
sempre os tolos, foi-lhe logo ter ao anzol um exemplar de um tamanho invejável.
Retirou-o e colocou-o na areia da margem da barragem. O peixe agitou-se e
encheu-se de areia. O nosso amigo resolveu lavá-lo. O peixe agradeceu.
Escapou-se-lhe das mãos e nunca mais ninguém o viu.
Há horas de sorte nas
vidas dos pescadores. Uma única vez na vida, apanhei um achigã de dimensões
consideráveis. Como o jantar já estava feito, deixámo-lo para o almoço do dia
seguinte. Meti-o num balde com água, fora da tenda. De manhã, o balde estava
virado e achigã, nem vê-lo. Ainda hoje não sei se foi cão, gato, ou animal de
duas patas quem se banqueteou com ele.
A minha experiência de
pesca foi longa e geralmente parca em resultados mas, ocasionalmente, lá vinham
dias bons. Encontrava-me, certa tarde, a pescar no “coco” de fibra de vidro,
próximo da praia de Albarquel. Havia duas outras embarcações perto. Estavam
cheias de pescadores otimistas, mas o mar tem caprichos e o peixe também.
Enquanto eu recolhia um alcorraz a cada dois minutos, eles, a uns trinta metros
de distância, apenas lavavam as minhocas. Não resisti a fazer uma provocação:
− Que chatice! Só apanho
peixes pequenos!
− Está mal habituado,
disse um dos mais bem-educados do barco próximo.
Ao lado dele, houve quem
me insultasse.
Naquele tempo, tínhamos um
pequeno grupo que cada ano, em maio, subia o Sado até à Barrosinha, um par de
milhas acima de Alcácer. Ali jantávamos e pernoitávamos. Nas passagens
apertadas do rio, as fataças entravam em pânico com a vizinhança da embarcação
e o ruído do motor e elevavam-se no ar. Algumas caíam dentro do barco. Foram os
peixes mais facilitadores que encontrei em toda a vida.
Há muitos anos, fui a um
congresso da minha Especialidade, em Acapulco. Eu, que sempre ouvia quase
religiosamente todas as comunicações, resolvi oferecer-me um dia de férias e
fui pescar, acompanhado por um colega alemão. “Pescar”, em termos turísticos é
uma atividade domesticada. Os homens do barco conduzem-nos até ao pesqueiro e
fornecem-nos as canas e o isco.
Era antes do euro e os
marcos valiam muito. O meu colega germânico gratificou a tripulação logo à
largada. O resultado foi ser dele o primeiro peixe. Como apanhámos três, fiquei
a perder por dois a um.
Não me orgulho
particularmente do peixe-vela que capturei, apesar de medir 2,36 m de
comprimento. Teria preferido ser eu a esgravatar e a fazer o trabalho todo, com
sucesso, ou não. Ainda por cima, não cheguei a provar o peixe maior que apanhei
em toda a vida, e não sei se sabe bem ou mal.
Algum tempo mais tarde,
ainda não tinha ganho juízo. Quando fiz 50 anos, oferecei a mim mesmo uma cana
de combate e um carreto de corrico adequado à pesca do espadarte. Estão
novinhos, no invólucro de pano original. Os espadartes, para mim, não passaram
de um sonho. Diz-se que deixaram o mar de Sesimbra quando a chaputa escasseou.
O mais que consegui foi avistar um a distância, a acometer um cardume. Os
peixes pequenos tentavam fugir para o ar, tal como as fataças.
Sem comentários:
Enviar um comentário