EU E A PESCA
II
Quando voltei do mar,
instalei-me em Setúbal. A dada altura, lembrei-me de comprar uma cana pequena e de ir pescar
no Rio Sado. Levei comigo a minha filha Marisa, que teria, na altura, uns sete
anos. Escolhemos tentar a sorte na muralha, a montante do Clube Naval, onde já se encontrava um
pescador.
Abri a embalagem e pus-me
a montar o carreto na cana. Era coisa que nunca tinha feito, o que justificava
alguma atrapalhação. A minha filha meteu-se com o vizinho.
−Tu não pescas nada. Vais
ver o meu pai, daqui a bocado…
O homem procurou ignorar
as provocações. A dada altura, sentiu picar e retirou a linha para ver se ainda
tinha isco. A Marisa gritou:
− Olha! Pescaste uma
minhoca!
Aquilo foi demasiado para
o moral do meu vizinho pescador. Recolheu o material e afastou-se. Terá ido
procurar um sítio mais sossegado.
A Marisa era uma menina precoce.
Ao chegar a casa, fez uma redação. Dizia, mais ou menos isto:
“Fui com o meu pai à
pesca, mas só pescámos peixes charrocos. No fim, o meu pai atirou os peixes
para o rio e voltámos para casa.”
Os “charrocos” eram
cabozes.
A partir de dada altura da
minha vida, tive sempre barcos. Entretinha-me a pescar na Baía de Setúbal.
Raramente apanhava peixe que se visse, mas importava-me pouco com isso. Não me
levantava de madrugada e nunca pescava no inverno. Ia para onde me apetecia. Na
maioria das vezes, os peixes escolhiam lugares diferentes dos meus. Ainda por
cima, uma boa parte da minha atividade predatória desenrolou-se a bordo de
embarcações à vela, mais obedientes aos horários do vento que aos do peixe. A
quilha era outro obstáculo de peso. Para chegar aos pesqueiros mais
frequentados em Setúbal, teria de fazer um grande desvio, para evitar os bancos
de areia frente à Troia.
A bordo do "Gisa", o meu primeiro veleiro
Durante anos a fio, tive o
Gisa fundeado em Albarquel, antes das obras que levaram para lá areia, um
restaurante e turistas. O Gisa era um veleiro de 6,7 metros, construído em
Portugal e fácil de manobrar por um homem só. Deixava um “coco” de fibra de
vidro amarrado na praia, para o transbordo. Às quartas-feiras, saía mais cedo
do trabalho e, entre abril e setembro, passava no barco duas horas, ao fim da
tarde, a fingir que pescava. Ao menos, descontraía-me.
Foi numa dessas tardes que
sofri a maior humilhação da minha vida de pescador. Havia ali muito peixe
pequeno que picava constantemente. Apesar de usar anzóis diminutos, a maior
parte das vezes levavam-me o isco sem se deixarem fisgar. Por essa razão,
pescava com duas canas, para ter uma linha no fundo, enquanto punha casulo ou
minhoca no anzol da outra.
Estava entretido nessa
tarefa quando vi a cana deslizar e mergulhar na água. Um pampo levou-ma.
Acho que ainda o ouvi rir-se lá no fundo.
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