A
PROPÓSITO DE DOIS MAPAS
O mapa Kangnido data de
1402. Foi desenhado na Coreia por dois chineses, Li Hoi e Li Mu, que integraram
as informações presentes em dois mapas chineses mais antigos, trazidos para a
Coreia pelo embaixador coreano Gim Sa-hyeong que viveu entre 1341 e 1407. O
mapa de Li Tse-min data provavelmente de 1330 e o de Ch`ìng Chun foi traçado à
volta de 1370. Ambos desapareceram.
O mapa Kangnido é imediatamente anterior às
viagens de Zheng e demonstra uma informação geográfica alargada.
O mapa é claramente
sinocêntrico. O Japão é também representado com dimensões desproporcionadas. O
extremo sul da África está claramente desenhado e os Oceanos Índico e Pacífico
estão em continuidade. No Sudeste Asiático, as ilhas parecem multiplicadas e o
subcontinente indiano é muito encolhido.
A Península Arábica está
hipertrofiada. Identifica-se bem o Mar Vermelho, mas o golfo Pérsico confunde-se
com o Índico.
O desenho de África tem
proporções muito reduzidas. No entanto, é aparente a confluência dos oceanos
Atlântico e Pacífico. A verdade é que este conhecimento pode ter sido obtido
quer por via marítima, quer terrestre.
Os peritos julgam ver
claramente representados o Mar Mediterrâneo e as penínsulas ibérica e italiana.
Para um leigo como eu, as imagens não são assim tão claras. Estão registados,
em carateres chineses, mais de 100 nomes para países e regiões europeias,
incluindo a Alemanha. Representam transcrições de palavras árabes. Terão sido
os árabes a fornecer boa parte das informações que permitiram produzir o
mapa. No entanto, a
recolha de dados por parte dos próprios chineses começou bem cedo.
Zhang Quian viajou pela
Ásia Central no século II A.C., ao serviço do imperador Han Wudi. Começou a
abrir a Rota da Seda e trouxe informações valiosas sobre o mundo ocidental.
O historiador Romano
Florus conta que o imperador Augusto, que reinou entre 27 e 14 A.C. foi
visitado por enviados provenientes de todo o mundo conhecido, incluindo a
China.
No final do século II
A.C., navegadores chineses viajaram até ao sudeste da Índia. Muito mais tarde, no ano de 674, o
explorador chinês Daxi Hongtong atingiu o sul da Península Arábica. Durante as
dinastias Tang (618-907) e Song (960-1279), mercadores chineses viajaram por
mar até à Malásia, Índia, Ceilão, Golfo Pérsico, Península Arábica e Mar
Vermelho. Terão negociado com a Etiópia e com o Egipto. Alguns escritores
chineses, após o século IX, descreveram o tráfico de escravos, marfim e âmbar
na Somália. Não há registos de terem alcançado o Oceano Atlântico.
O mapa de Fra Mauro data
de 1459. Foi encomendado ao monge e cartógrafo veneziano pelo rei Afonso V de
Portugal.
Ali, os perfis da Europa e do Mediterrâneo são
desenhados de modo quase perfeito. Apesar de o contorno da África ser representado
de forma distorcida, percebe-se claramente a continuidade dos Oceanos
Atlântico e Pacífico.
Identificam-se facilmente o Mar Vermelho, a Península
Arábica, o Golfo Pérsico, Ceilão, o subcontinente indiano (encurtado), a
Indochina, as Filipinas e algumas ilhas indonésias. No entanto, o Índico parece
conter quase tantas ilhas como gotas de água.
O saber circulava no
mundo, apesar das limitações da época.
Há especulações sobre as
fontes de conhecimento cartográfico. Em nenhum dos mapas, o Cabo da Boa
Esperança, dobrado por Bartolomeu Dias em 1488, aparece como obstáculo difícil
de transpor. No entanto, como vimos atrás, os textos chineses da época dão
apenas testemunho de expedições pelo Índico. O desenho de África no mapa Kangnido não passa dum esboço.
Dois dos nossos maiores
navegadores, Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama, provavelmente nada
descobriram.
Existiam, na costa ocidental
africana, dois grandes obstáculos à navegação: o cabo Bojador, dobrado por Gil
Eanes em 1434 e o Cabo das Tormentas, ou da Boa Esperança, transposto por
Bartolomeu Dias em 1488. As rotas marítimas da costa oriental da África para a
Índia eram bem conhecidas dos navegantes árabes. Foi, aliás, um piloto mouro
que guiou Vasco da Gama até Calicut. A espera pelos ventos de monção está
esboçada em zigzags em alguns mapas. Camões criou o mito da traição do piloto
mouro.
Vasco da Gama liderou a
frota que foi de Lisboa a Calicut e voltou, contornando o sul da África e abrindo
a rota comercial com os países do Oriente. Mudou a História do mundo, mas não
descobriu terras novas.
Pedro Álvares Cabral era
um fidalgo de Belmonte. Dificilmente entenderia alguma coisa de navegação. Não
era preciso. O seu papel era o de comandante, condutor de homens. A sua
esquadra dispunha de navegadores experimentados. Uma das caravelas, um dos navios
mais pequenos da frota, era capitaneada por Bartolomeu Dias, que a ironia do
destino fez afogar nas águas do cabo que o fizera célebre.
Não é credível que os que
eram, na época, os melhores marinheiros do mundo, se tenham desviado tanto da
rota prevista, apenas para “tomarem barlavento”. Não há registo de qualquer
dificuldade especial na viagem de ida. Tudo parece ter corrido conforme o
planeado. A esquadra partiu a 9 de março. As ilhas de Cabo Verde foram ultrapassadas a 22 do mesmo mês e os navios
desviaram-se para oeste, para o “mar longo”, à procura dos ventos de feição. Cumpriam
as ordens do rei Manuel. Atingiram a costa brasileira a 22 de abril. Provavelmente, terão estado anteriormente no Brasil Duarte Pacheco Pereira, em 1498 e o espanhol Vicente Pinzón, em 1500.
Estaria em causa a
preocupação de reconhecer a descoberta só depois da assinatura do tratado de
Tordesilhas. Note-se que Duarte Pacheco Pereira participou nas negociações,
como membro da delegação portuguesa.
Cabral não nasceu
marinheiro. Ninguém nasce. Ainda assim, a sua única viagem naval acabou por
ter, na História Portuguesa e Universal, um impacto mais duradouro do que a epopeia do Gama,
imortalizada pelos Lusíadas.
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