DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 27 de setembro de 2011


                                                  

                            OS FADOS DA MINHA VIDA

O meu percurso foi pouco influenciado por canções e menos pelos fados. Fados da minha vida foram aqueles que escutei repetidas vezes com agrado. Ao lembrá-los, confundo-os com as pessoas que os cantaram. Eram todos intérpretes de uma só canção.
O Manuel da Justina cantava “ O Embuçado”, a bordo do Gil Eannes. Era da Nazaré e trabalhou comigo durante duas campanhas. Eu era médico e ele auxiliar da enfermaria. No verão de 1970 aportámos a North Sidney, na costa canadiana e organizámos uma partida de futebol. Eu estava, inocentemente, à espera de que o meu estatuto de médico continuasse a ser respeitado em campo. Enganei-me. No calor do jogo, na primeira jogada em que nos defrontámos, meio sem querer, o Manuel deu-me uma vigorosa estalada na cara. Fiquei a perceber o espírito da partida. Eu vinha, cheio de força, do curso de oficiais milicianos. Mais ninguém passou pela minha ala, na direita da defesa. A bola ia, mas o adversário ficava. Felizmente, o árbitro era permissivo. Talvez nem tivesse no bolso os cartões coloridos.
A Helena Nazaré – o nome denuncia a origem na terra do Manuel – era uma enfermeira instrumentista de mão cheia, daquelas que muito antes da generalização das licenciaturas em enfermagem contribuíram para elevar o prestígio do nosso Serviço Nacional de Saúde. Cantava a “Maria Madalena”. Nunca me fartei de a ouvir.
O meu cunhado Vasco, no fim dos jantares de família fazia-se rogado mas lá acedia a cantar o “Santas no fado”. O Vasco nunca foi um homem igual aos outros. No verão de 1975 aterrou em Lisboa com o casaco atafulhado de notas do Banco de Angola. O dinheiro não era dele e não lhe aqueceu as mãos. Esperou que o escritório da representação do Caminho de Ferro de Benguela abrisse, para prestar contas. As coisas, em Angola, estavam quentes e um dos Movimentos pretendera confiscar o dinheiro que ele devia entregar, como pagador, aos empregados da Companhia, em cada estação. Escapou-se como pode para dar o seu ao seu dono. Uma semana depois, voltou para Angola.
O Vasco continua esperto e a cantar bem, embora diga que já não tem voz. Como “O Embuçado “ e o  “Maria Madalena” são bem conhecidos, deixo aqui a letra do “Santas no Fado”. Registo-a de memória e peço desculpa por qualquer inexactidão. Quem quiser saber a música, que vá procurá-la à S. P. A. Devem ter lá o registo. A letra é mais ou menos assim:

                            Santas no fado, dizia
Mentirolas, fantasia,
Roupa suja que se arruma.

Pode haver mexeriqueiras,
Intriguistas, regateiras,
Mas santas não há nenhuma.

O fado segue a carreira
Da mais alta majestade
Sem santinhos nem sacristas
Ou então, doutra maneira,
Vou fundar a irmandade
Da Senhora dos Fadistas.

Não podemos concordar
Com tais coisas no fadinho.
Portanto, doa a quem doa,
Nem a guitarra é altar
E o povo, por ser anjinho,
Tem asas, mas nunca voa.


Sem comentários:

Enviar um comentário