BILHETES
De AGOSTINHO DA SILVA
Publicado no jornal África em Agosto de 1990.
Desta vez, George Agostinho da Silva homenageia personalidades ligadas a Setúbal e distanciadas no tempo. Junta neste "bilhete" o arquiteto Keil do Amaral, o geógrafo e filósofo Orlando Ribeiro, o poeta e pedagogo Sebastião da Gama, o livreiro e poeta Raposo Nunes e o poeta e eremita Frei Agostinho da Cruz.
A Arrábida espera. Deixemos por
agora de considerar e falar do esporão de Palmela, pois dele tem ido tomando
conta Santiago, seu Senhor e Dono, e, como tem de ser, seu inspirador de
futuro. Partiremos das arribas de Setúbal e veremos, como apoio e empurrão de
largada, a um tempo, o Grupo que Raposo Nunes tem congregado em sua Arca do Setubalense,
e, como mais perto e excelente incitamento à empresa, o livro de Poemas que
publicará em breve sob o título de Bulbul, ou seja, o rouxinol de Oriente, em
que, num perfeito domínio da linguagem e de toda a musicalidade exterior do verso,
lhe dá equilibrado vertebrar a musicalidade interna de ver todo o passado como
projeto de futuro, de se tomar saudade como o valente desejo e a premonição de
que virá tempo em que olharemos a Serra como o triângulo para além da terra e à
terra vinculado de que são extremos Europa, Ásia e África e em que nos
ajoelharemos perante o Brasil, criação máxima dos Portugueses e modelo que se
mostrará de todo o mundo a vir, de um mundo novo nem avaro nem triste; não
esqueceremos o patrono geral, místico dos céus sem que ao mundo esqueça, Frei
Agostinho da Cruz, com sua cela de monte e sua gineta de companhia, nem
esquecerei eu o trabalho de Orlando Ribeiro, o primeiro que, com sua implícita
metafísica, pôs mais ordem no que se pensaria caos do que jamais fará o moderno
progresso dos fractais, em que matemática irá a domínios de que estava
esquecida, mas que felizmente nunca avançará bastante para que da vida
desapareça o que a faz de interesse, isto é, o inesperado da suprema e
verdadeira criatividade; não esqueceu o Autor, sempre na melhor inspiração,
olhar em Sebastião da Gama o sentido das viagens que se julgam impossíveis e o
sacrifício na batalha que todos têm julgado desastrosa, mas que travou os
Turcos, firmou economia do Brasil e amparou em provações gente de um e outro
lado do Atlântico; à Senhora do Cabo chegaremos e aí estará a recordação do
génio analítico de Keil do Amaral ante o genético génio do Povo. Por agora,
ficaremos em Setúbal, para que todos possamos discutir e entender neste
Império, de que tem de ser Alferes Raposo Nunes, o canto do bulbul, agora a ave
mesmo. O faremos pensando no Castelo que homenageou o rei Filipe e faremos que
desta vez perceba ele como é o Entre-Sado-e-Tejo a verdadeira capital do que
pelo mundo tenha sido semeadura ibérica. Não nos faltará a nenhum de nós audácia
e reflexão; sabemos que a loucura só vale quando não falta o juízo. A tudo
vamos, connosco venham.
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