Os jornais e as televisões de Lisboa deram algum relevo, na semana passada, ao caso de um cidadão português "apanhado" no aeroporto de Luanda com três dezenas de passaportes de compatriotas nossos. As declarações da empresa responsável pelos trabalhadores indicaram tratar-se de um expediente para tentar obstar à reconhecida lentidão dos serviços consulares angolanos.
Estive recentemente em Angola e pude constatar a eficiência e a simpatia do cartório notarial de Benguela e do Arquivo de Identificação de Viana. Terei tido sorte.
O caso presente configura uma tentativa de prolongar o trabalho ilegal de cidadãos portugueses em Angola. Os vistos de que dispunham eram de turismo. No entanto, o incidente serve de pretexto para questionar a política oficial do estado angolano em relação aos trabalhadores estrangeiros. Em Luanda, preferem chamar-lhes "expatriados".
Um visto de trabalho tem a duração de três anos e não é facilmente renovável. A expiração conjunta de um número considerável de autorizações pode reflectir-se no rendimento das empresas contratantes. Angola poderá ficar a perder com o prolongamento de obras.
O governo angolano parece ter como objectivo manter, no seu território, a precariedade do trabalho dos não nacionais. Não os podendo dispensar, uma vez que o seu contributo continua a ser necessário para suprir as insuficiências locais de mão-de-obra, dificulta, com sanções económicas pesadas, a sua permanência após o termos dos vistos de trabalho.
Não passa pela cabeça de ninguém contestar a liberdade de qualquer estado soberano definir as suas leis laborais.
Olhando, porém, de longe a realidade das grandes obras angolanas(públicas e privadas), fica-se com a impressão de que aos empreiteiros chineses são dadas condições mais favoráveis do que à concorrência europeia e sul-americana. O argumento mais vezes esgrimido, o da formação profissional dos técnicos angolanos, parece ficar esquecido quando se trabalha com chineses.
Os trabalhadores portugueses e brasileiros, para falar dos que conheço melhor, decorridos os três anos de duração do visto de trabalho recebem um vigoroso pontapé no fundo das costas.
Segundo ouvi dizer, espera-se que um operário especializado "expatriado" trabalhe com um aprendiz angolano ao lado e lhe transmita, durante esse período de tempo, os conhecimentos necessários para que o natural de Angola possa depois continuar o trabalho sem ajuda externa. A meu ver, trata-se de uma falácia. As fragilidades do projecto são óbvias e variadas.
Nem todos os operários estão vocacionados para ensinar e é duvidoso que um trabalhador estrangeiro se disponha a contribuir para extinguir o próprio emprego mediante a formação de um substituto. Do lado discente, seria necessária a continuidade laboral e a disposição do aprendiz para aceitar os sacrifícios inerentes à profissão, em alternativa aos populares prolongamentos dos fins-de-semana.
Fico a pensar que a expectativa da formação profissional dos naturais dum País pelos trabalhadores estrangeiros remonta à época histórica dos cooperantes, quando as relações de trabalho seriam orientadas pela solidariedade internacional.
Não sei se alguma vez foi assim, mas estou certo de que agora não é. Todos os estados têm obrigação de criar estruturas e mecanismos que promovam a escolaridade e a formação profissional dos seus cidadãos. O futuro de uma Nação não se pode depositar em mãos de estrangeiros. A situação actual promove a perpetuação da carência de pessoal especializado e a necessidade de continuar a recorrer aos serviços dos indesejados técnicos "expatriados".
Sem comentários:
Enviar um comentário