CANONIZAÇÃO DE DOIS PAPAS
Paulo Mendes Pinto, que
não será descendente de Fernão, escreveu ontem no jornal Público que foram
canonizados 76 papas no primeiro milénio da era cristã e apenas 5 no segundo.
Hoje, duma assentada, o Vaticano apresenta à veneração dos católicos mais dois
papas santos.
Os santos não existem, tanto
quando sei, na Bíblia. Serão uma criação da Igreja Católica. Julgo que
representam um sincretismo entre o monoteísmo da tradição judaica e o
politeísmo profundamente enraizado na Europa em que o cristianismo proliferou.
Os santos são considerados mais próximos de Deus. Por terem uma vida justa, serão
ouvidos mais facilmente pela divindade, geralmente menos atenta às preces do
comum dos crentes. Vêm sendo associados desde sempre à produção de milagres.
Milagre é uma interrupção
temporária das regras da natureza, conseguida por intervenção divina. Trata-se
habitualmente de curas inexplicáveis. Nos tempos modernos, até alguns católicos vão pondo em dúvida a sua existência.
O ar bonacheirão de João
XXXIII, a par do seu esforço de renovação da Igreja, com a abertura do Concílio
Vaticano II, tornou-o popular mesmo entre os não católicos.
Por outro lado, correram
mundo as imagens dos últimos anos de vida de João Paulo II. As fotografias do
velhinho muito torto, vestido de branco e agarrado à cruz impressionaram a
sensibilidade dos fiéis.
Enquanto o pontificado de Ângelo
Roncalli não chegou a durar cinco anos, o papado de João Paulo II foi o segundo
mais longo da história da Igreja (27 anos). Foi também o mais mediatizado de
todos. O período de tempo prolongado à frente dos destinos do Vaticano expô-lo,
naturalmente, a mais críticas. Karol Wojtyla adotou uma postura geralmente
conservadora em todas as questões debatidas modernamente no seio da Igreja: o
celibato dos padres, a ordenação de mulheres, a contraceção artificial, o
divórcio, o aborto e a homossexualidade. Interveio declaradamente no conflito
Leste/Oeste, combatendo o Comunismo. Terá esquecido os ensinamentos de Cristo:
«A César o que é de César. O meu reino não é deste mundo». O seu papel na
evolução política da Polónia, a sua terra natal, poderá fazer dele um patriota,
mas dificilmente um santo.
Terá cometido repetidos
pecados por omissão. O papa não foi capaz combater eficazmente a pedofilia no
seio da Igreja. Os escândalos sucederam-se, um pouco por todo o mundo. Há quem
diga que a pedofilia na Igreja Católica é tão antiga como o celibato
obrigatório dos padres. A interdição do casamento impede ou, pelo menos, dificulta o exercício duma atividade sexual saudável. Poderá eventualmente contribuir
para chamar para o sacerdócio jovens com dificuldades em assumir vidas sexuais
normais.
O papa é o Chefe de Estado
do Vaticano. Dirige uma organização multinacional que conta com duas centenas
de cardeais, um pouco mais de cinco mil bispos, quatro centenas de milhar de
sacerdotes e um número apreciável de freiras e frades. Os fiéis são cerca de 1,2
biliões.
Escrevi, não há muito
tempo, que um anjo só por milagre acederia ao Poder. Se lá chegasse, apesar da
intervenção divina, ficaria depressa com as asas chamuscadas. O Poder corrompe
e obriga à tomada de decisões dificilmente compatíveis com a moral.
A canonização destes dois
papas parece traduzir a submissão da Igreja Católica ao marketing político. É a política espetáculo ou, se preferirem, o
apostolado espetáculo. Dois papas a canonizarem outros dois garantem o sucesso
mediático dum evento que será transmitido pelas televisões de todo o mundo.
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