ESQUERDA
E DIREITA
I
Sou leitor, mais ou menos, regular do jornal “Público”. Um artigo de Rui Tavares, publicado ontem, voltou
a chamar a minha atenção para as fronteiras políticas entre Esquerda e Direita.
Quando eu era jovem e
estudava em Coimbra, o mundo, de certo modo, era visto a branco e preto. A
distinção entre Esquerda e Direita era nítida e quase intuitiva. Eu e os meus
companheiros opúnhamo-nos ao regime autoritário de Salazar, cheio de tiques
fascistas e apoiado pelos católicos mais conservadores.
A eclosão da guerra
colonial puxou ainda mais a elite política que dominava o país para o
nacionalismo exacerbado. Os estudantes de Direita defendiam o empenho do regime
na tentativa de conservação do Império pluricontinental. Nós, os de Esquerda, desejávamos
a queda do regime salazarista e a instauração de uma democracia moderna. Éramos
pela independência das colónias ultramarinas. Pessoalmente, estive perto do PCP
e do MPLA. Os meus amigos do Kimbo dos Sobas pensavam como eu.
Os tempos mudaram e nós
também. Diz-se que os velhos se tornam mais reacionários com o passar dos anos.
Poderá haver uma parte de verdade nisso, mas apenas uma parte. A questão de
fundo é mais complexa.
Sabe-se que a História não
se detém. A minha filha mais velha veio lembrar-me, há alguns meses, as
opiniões que lhe comuniquei, quando ela chegou à adolescência, sobre o modo
como eu encarava a evolução previsível do mundo.
O panorama era mais ou
menos este: os americanos estavam a ser batidos no Vietname; Angola,
Moçambique, a Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe haviam-se tornado
socialistas. Para mim, a madrugada vermelha ou, pelo menos rosada, estava à
vista.
Lá em casa praticou-se
sempre a democracia e o respeito pelas ideias dos outros, logo que se foram
fazendo capazes de pensar. As minhas filhas nunca tiveram opiniões políticas
sobreponíveis às minhas.
As coisas mudaram, de forma
quase inimaginável. A União Soviética apodreceu por dentro e desmoronou-se. Os
crimes de José Stalin vieram ao de cima. A inocência de alguns pais das Pátrias
africanas foi-se perdendo. Certos revolucionários mostraram pressa em sentar-se
à mesa, no festim de repartição das benesses herdadas dos colonialistas
derrotados.
A estátua da Esquerda heroica, quase robespierriana, impoluta e
científica, conheceu as primeiras fissuras. Iriam revelar-se profundas.
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