O ASSASSINATO DE TRÓTSKI
Depois de Trótski, que dá nome ao livro, o decaedela prossegue a publicação de capítulos relacionados com mortes violentas de pessoas conhecidas. Lembro que se trata do diário de um assassino e que as opiniões expressas no texto são do personagem de ficção e não do autor.
EDUARDO MONDLANE
Eduardo Mondlane foi
executado em Dar-es-Salaam com recurso a uma encomenda bomba. Diz-se que o
carrasco pertencia ao braço português da Gladio. Foi um trabalho bem feito.
A PIDE tinha conseguido
infiltrar parte dos partidos revolucionários moçambicanos. Na manhã do dia 3 de
fevereiro de 1969, Mondlane, presidente da FRELIMO, abriu uma encomenda
armadilhada contendo a tradução francesa das Obras Escolhidas do teórico marxista
russo George Plekhanov. Consta que a violência da explosão lhe decepou as mãos
e lhe separou o tronco em duas partes.
Eduardo Mondlane foi o
primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) que resultara da fusão de três organizações independentistas moçambicanas com bases
sociais e étnicas próprias, sediadas em países diferentes: a União Democrática
Nacional de Moçambique (UDENAMO), a Mozambique African National Union (MANU) e
a União Nacional Africana para Moçambique Independente (UNAMI). A junção dos
três movimentos fora apadrinhada pelo presidente da Tanzânia, Julius Nyerere.
Uria Simango, pastor presbiteriano, foi eleito vice-presidente.
Mondlane era filho de um
chefe tradicional moçambicano e foi educado e protegido por uma missão
presbiteriana suíça. Estudou primeiro na região de Manjacaze e depois na África
do Sul. Fez uma passagem breve pela Universidade de Lisboa, onde teve
oportunidade de conhecer Agostinho Neto e Amílcar Cabral. Seguiu depois para os
Estados Unidos da América do Norte onde se licenciou em Sociologia. Já
doutorado, ensinou História e Sociologia na Universidade de Syracuse, em Nova
Yorque. Trabalhou para as Nações Unidas e foi contactado por Adriano Moreira,
mas não se entendeu com ele. Enquanto o ministro português o convidava para
colaborar com a administração colonial de Lisboa, Eduardo Mondlane tentava
persuadir Moreira a aceitar a independência das colónias que Portugal detinha
em África.
Mondlane e Simango
Em 1961, Mondlane passou
por Moçambique e estabeleceu contacto com diversos dirigentes nacionalistas,
tendo em vista o lançamento da luta armada de libertação nacional. Eram
precisos apoios externos. Os primeiros guerrilheiros, entre os quais se contava
Samora Machel, foram preparados na Argélia. Os seguintes não precisaram de se
deslocar para tão longe: a vizinha Tanzânia deu-lhes hospitalidade e condições
de treino.
Samora Machel
A guerra começou em
Setembro de 1964, com um ataque ao posto administrativo de Chai, na província
de Cabo Delgado, a uma centena de quilómetros da fronteira com a Tanzânia. Os ventos
da História sopravam contra o colonialismo e a revolução propagou-se a boa
parte do território moçambicano.
A luta de independência
não decorreu sem incidentes: Lázaro Nkavandame, secretário provincial da
FRELIMO em Cabo Delgado, desviou em proveito próprio dinheiro do Partido.
Mateus Gwengere, padre católico que mobilizara um número elevado de jovens para
o movimento de libertação, protestou contra a prática de enviar quase todos os
rapazes para a guerra, em vez de os mandar estudar. Em Maio de 1968, ocorreu um
motim e muitos estudantes abandonaram a FRELIMO. Ainda nesse mês, ocorreu uma
cisão tribalista, com os macondes a exigirem a independência imediata de Cabo
Delgado.
O II Congresso da FRELIMO
reelegeu Mondlane e Simango e decidiu continuar a luta pela «independência
total e completa» de Moçambique e não apenas de parte do país.
Dar-es-Salaam
O primeiro presidente da
Frente de Libertação de Moçambique morreu na Residencial/Bar da americana Betty
King, secretária da sua esposa, em Oyster Bay, na capital tanzaniana. Mondlane
passava ali muito do seu tempo livre. A encomenda armadilhada rebentou às 9
horas da manhã de 3 de fevereiro de 1969. Nem Betty, nem a maioria dos
empregados, se encontrava no local. Apenas estava o cozinheiro que ainda serviu
um chá a Mondlane.
Janet Mondlane
Janet Mondlane viajara
para a Suíça e só soube do crime à noite. À data do assassinato, Joaquim
Chissano era o secretário particular do presidente e o diretor dos serviços de
segurança da FRELIMO. Era ele quem abria habitualmente a correspondência. Não o
fez naquela manhã.
Joaquim Chissano
A encomenda foi preparada
em Lourenço Marques, pela polícia política portuguesa, a PIDE. Não se sabe como chegou às mãos e Mondlane.
Existem informações
cruzadas que permitem afirmar, com alguma segurança, que o homem que fabricou e
enviou a bomba que faria em pedaços o presidente de FRELIMO foi o agente da
PIDE Casimiro Monteiro. De acordo com Geoffrey Sawaya, chefe dos serviços
secretos da Tanzânia, no livro bomba teria sido usado material explosivo
fornecido por uma empresa japonesa à Casa Praff, sita no n° 5 da rua Joaquim
Lapa, em Lourenço Marques.
A PIDE teria sido ajudada
dentro da FRELIMO, por Lázaro Nkavandame e por Silvedo Nungu. Este último foi
preso quando tentava fugir para Moçambique. Tinha sido secretário
administrativo do Comité Central e membro da Direção do Departamento de
Informação e Propaganda da FRELIMO. Morreu na prisão, no seguimento de uma
oportuna greve de fome.
A espionagem italiana do
Servizio Informazione Difesa (SDI) atribuiu o crime a uma rede envolvendo a PIDE
e a AGINTERPRESS, o engenheiro Jorge Jardim, Uria Simango e Robert Leroy,
espião em Dar-es-Salam. Estaria em causa o braço português da Gladio.
Segundo testemunho do
chefe de redação do jornal Notícias da Beira, o engenheiro Jorge Jardim
compareceu na redação no dia do atentado (facto, ao que parece, inédito) e
aguardou várias horas pela chegada duma «importante notícia».
Jorge Jardim e o presidente do Malawi, Hastings Banda
Desconhece-se quem
transmitiu à PIDE a informação do interesse de Eduardo Mondlane pela tradução
francesa das obras de Plekhanov. O “bufo” teria de andar perto do presidente da
FRELIMO. Sabe-se que maçonaria portuguesa tentou recrutar "maçons
pretos" entre a hierarquia do poder em Moçambique. A “Opus Dei”, ligada ao
fundamentalismo católico, fez o que pôde para se aproximar dos círculos
moçambicanos do Poder. Não há dados que sugiram o envolvimento de qualquer
destas organizações no homicídio de Mondlane. Curiosamente, as declarações de
Silva Cunha, antigo ministro de Salazar e Caetano, e de António Vaz, dirigente
da PIDE em Moçambique, coincidem no essencial: a eliminação do líder da FRELIMO
não era do interesse do governo português. Mondlane seria o “menos mau” e
certamente melhor que Samora Machel. Nem sempre as orientações políticas e a
programação dos serviços secretos coincidem no lugar e no tempo.
A morte de Mondlane terá
afastado a FRELIMO dos americanos, aproximando-a da China.
Urias Simango, o
vice-presidente de Mondlane e o padre Gwengere terão sido executados em
Metelela, no Niassa.
Plekhanov
Pessoalmente, acho curioso
o interesse de Mondlane, de reconhecida formação americana, pelo pai ideológico
do marxismo russo. Mais velho que Lenine, Plekhanov ainda conheceu pessoalmente
Frederick Engels. Opôs-se aos bolcheviques (chegou a chamar a Lenine
“alquimista da revolução”) e abandonou a Rússia após a Revolução de Outubro.
Continuou a escrever e a pensar. Considerava o marxismo uma doutrina mais
materialista que idealista e achava que a Rússia teria de passar por um estado
capitalista de desenvolvimento antes de se tornar socialista.
As guerras libertam os
sentimentos mais bárbaros dos humanos e são fonte de dramas e comédias. A morte
de Joana Simeão é difícil de classificar. Assumiu-se como pacifista e aceitou a
política de «autonomia progressiva» delineada por Marcelo Caetano para a independência
das colónias portuguesas.
Joana Simeão
A sua linha de pensamento
não se afastaria muito da de Mondlane. Foi dirigente da FRELIMO e da COREMO,
mas afastou-se das duas organizações. Apelou à «constituição de uma frente
interna formada por elementos lúcidos calmos e frios das comunidades étnicas
presentes em Moçambique (negra, mestiça, branca e asiática)» que seria «a voz
autêntica vinda do interior de Moçambique e que imporia ao exterior a solução
nossa a problemas nossos.» Fundou a Frente Comum de Moçambique (FRECOMO), com o
objectivo de aglutinar as forças políticas não alinhadas com a FRELIMO.
Após o 25 de Abril, a
situação política em Moçambique não favoreceu o pluralismo democrático. Joana
Simeão foi presa e fuzilada.
Encerrado o drama, teve
início a comédia.
As autoridades
moçambicanas nunca reconheceram a sua execução extra-judicial. Oficialmente,
Joana ausentara-se para “parte incerta”.
O seu segundo marido,
Francisco Joaquim Manuel, acabou por se ligar a outra mulher e quis casar-se
outra vez. Reclamou a situação legal de viúvo, mas a certidão de óbito da sua
esposa não existia. Pelo menos, não foi encontrada. Legalmente, Joana Simeão
continuava viva.
Francisco Manuel foi
aconselhado a pedir divórcio com a alegação que “Joana abandonara o lar”.
Depois de perseverar vários anos, acabou por aceitar o conselho. O processo não
foi simples. O Ministério Público do Estado que a assassinou encarregou-se
oficialmente da sua defesa e levou a sério a sua tarefa. Afirmou representar um
“ausente” e não um “em parte incerta” pedindo a absolvição da ré pela acusação
de abandono do lar.
No dia 24 de Abril de
2006, o Tribunal Judicial da Província de Inhambane, fez publicar no diário
“Notícias” a intimação para a reaccionária se apresentar no prazo de 20 dias. A
notificação foi assinada pelo Presidente do Tribunal, José António Cândido
Sampaio, na “Acção Ordinária Declarativa de Divórcio Litigioso nº 19/05.
A intimação não foi
transmitida por mesa de pé-de-galo e Joana Simeão não se apresentou. Após um
processo que durou cerca de três anos, o viúvo Francisco Joaquim Manuel lá
conseguiu o estatuto de «divorciado».
Segundo Barnabé Lucas
Nkomo, que escreveu o livro «Uria Simango – Um Homem, Uma Causa», Simango e
Joana Simeão não terão sido fuzilados, mas queimados vivos com gasolina,
juntamente com outros «reaccionários».
Urias Simango e o padre Mateus Gwengere, no campo da morte,
face a Marcelino dos Santos e Samora Machel
O governo português sai
enlameado desta questão. Foram oficiais portugueses do MFA quem, a 26 de
Outubro de 1974, se dirigiram à residência de Ahmed Haider, na cidade da Beira
e prenderam Joana Simeão. O MFA actuava a pedido do Governo de Transição de
Moçambique, chefiado por Joaquim Chissano. Joana foi transferida para Lourenço
Marques (Maputo) e encarcerada na antiga prisão da PIDE na Machava, então
dirigida pelo Batalhão de Cavalaria 8424 das forças Armadas Portuguesas.
Joana Simeão apelou para o
almirante Vítor Crespo, pedindo justiça. O Alto-comissário português entregou a
detida ao Governo de Transição de Moçambique.
FOTOS: INTERNET
A História de Moçambique é uma sequência de horrores. Uma pena! Um país aparentemente tão simpático e bonito, com líderes tão sinistros.
ResponderEliminarNo meu Brasil há similares, infelizmente, mas há uma sociedade que impede que eles dominem realmente o país. Não entendo o ódio visceral que um certo tipo de moçambicano vota ao povo português. Não se explica.