O PRÉMIO NOBEL DA PAZ PARA EDWARD SNOWDEN?
II
BRADLEY MANNING E JULIAN ASSANGE
Alfred Nobel, o inventor
da dinamite, deixou um legado destinado a premiar anualmente as figuras do
mundo que mais se distinguissem em áreas específicas da atividade humana. Ao
tempo, a Suécia e a Noruega formavam um único estado. A união desfez-se em 1905
e os prémios de Física, Química, Fisiologia ou Medicina, e Literatura passaram
entregues em Estocolmo enquanto o prémio Nobel da Paz é anunciado em Oslo.
Nobel pretendia que o
Prémio da Paz com o seu nome distinguisse a personalidade que mais tivesse feito
pela fraternidade entre as nações, pela redução dos esforços de guerra e pela
promoção de tratados de paz. Os júris de Oslo têm interpretado a seu modo as
intenções do doador. No decurso das últimas décadas, têm sido atribuídos
galardões a defensores dos direitos cívicos em países diversos, com um denominador comum: nenhum dos escolhidos hostilizou o império americano. Segundo os critérios em uso, Assange,
Manning e Snowden estão bem longe de ser premiados.
Edward Bradley Manning foi
colocado no Iraque em 2009, como analista do serviço de informações. Tinha
acesso a ficheiros classificados. Acabou por comunicar à WikiLeaks uma grande
quantidade de informação confidencial que foi sendo publicada entre abril e
novembro de 2010, tanto pela própria organização como pelos jornais que colaboram com ela. Manning descarregou perto de 500.000 ficheiros secretos.
Guardou o material em CD, antes de o copiar para o seu computador portátil.
Passou-o em seguida para o cartão de memória da sua máquina de vídeo, para o
poder transportar quando se deslocou aos Estados Unidos.
A mais chocante das
inconfidências de Bradley Manning, que optou mais tarde por mudar de sexo e adotou o
nome de Chelsea Elisabeth Manning, terá sido a gravação de vídeo a que o
militar chamou “Assassinato colateral”. Mostra um helicóptero americano a
atirar sobre um grupo de homens, em Bagdad. Um deles era jornalista. Outros
dois eram empregados da agência Reuters. Empunhavam câmaras que o piloto tomou
por granadas antitanque. O helicóptero abriu também fogo sobre uma carrinha que
tinha parado para prestar ajuda aos feridos. Foram atingidas duas crianças que
se encontravam no seu interior. O pai delas morreu.
A denúncia dos crimes de
guerra levados a cabo pelas grandes potências desperta as opiniões públicas
mundiais, que agem como contrapoderes. Um dos biógrafos de Manning sugere ainda que a
divulgação das mensagens trocadas entre diplomatas, acusando os governos de
corrupção, contribuiu para desencadear a chamada “Primavera Árabe”, que teve
início em dezembro de 2010. Há quem considere que as informações
publicadas por Manning ajudaram a entender melhor a natureza “assimétrica” das
guerras do século XXI.
Um editorial do Washington
Post questionou a facilidade com que um militar não graduado, com sinais de instabilidade emocional, teve acesso a segredos que deveriam ser
dos mais bem guardados do mundo e pôde divulgá-los sem grandes entraves.
A WikiLeaks foi criada em
2006. Assentava na Internet e seguia o modelo da Wikipedia. Os colaboradores
eram voluntários e as mensagens não eram assinadas. Destinava-se a publicar
segredos de estado fornecidos por denunciantes anónimos. Julian Assange,
nascido na Austrália e possuidor da cidadania sueca, chamou a si a tarefa de a
editar e tornou-se o seu porta-voz mais conhecido. Iniciou na Internet uma
cruzada contra a falta de direito e de moral dos serviços secretos de diversos
governos. Os EUA foram os mais atingidos.
O jornalismo de
intervenção de Julian Assange mereceu diversos galardões internacionais e granjeou-lhe inimigos poderosos. O seu trabalho sobre execuções extrajudiciais no Quénia foi premiado com o Amnesty International Media Award em 2009. Assange publicou também artigos controversos sobre a deposição de resíduos tóxicos em África e sobre as
condições de detenção na prisão de Guantânamo.
A WikiLeaks estabeleceu
parcerias informais com os jornais “El País”, “Le Monde”, “Der Spiegel”, “The
Guardian” e “The New York Times”. Muitos segredos da administração americana
foram divulgados. Tornaram-se conhecidos factos respeitantes às guerras
do Afeganistão e do Iraque que o Pentágono gostaria de manter afastados dos
olhos e dos ouvidos do mundo.
Assange continuou a ganhar
prémios internacionais e viu a sua atividade jornalística ser reconhecida por
jornais e revistas de prestígio como “The Economist”, em 2008, “Le Monde”, em
2010 e até a americana “Time”, em 2011.
Os seus inimigos
atiçaram-lhe os cães às pernas. Julian Assange foi acusado de abuso sexual na
Suécia. Perdeu a dupla cidadania, enquanto a Interpol o incluía na lista dos
criminosos mais procurados. O Tribunal superior do Reino Unido pronunciou-se a
favor da sua extradição para a Suécia, país tem com os Estados Unidos acordos
que simplificam as extradições. Se for
julgado na América, Assange arrisca-se à prisão perpétua e mesmo à pena de
morte.
Julian Assange encontrou
maneira de entrar na embaixada do Equador em Londres. Pediu e obteve asilo
político. O governo britânico ameaçou invadir as instalações equatorianas, à
margem do direito internacional. Uma atitude irrefletida (e de legalidade mais
do que duvidosa) seria estranha à tradição da diplomacia inglesa e desencadearia
a hostilidade das nações centro e sul-americanas. Mais tarde ou mais cedo,
abalaria o respeito pelas embaixadas e consulados do Reino Unido em todo o
mundo e poria em causa a sua segurança. A situação entrou num impasse.
As reações aos escândalos
diplomáticos despoletados por Assange, Manning e Snowden tiveram, como era de
esperar, sentidos opostos. Por um lado, os governos sempre ambicionaram
controlar a Internet e procuram aliados para estabelecerem acordos internacionais
nesse sentido. Por outro lado, a maioria dos cidadãos comum gostaria de
continuar a ver na Internet um espaço de liberdade. Receia que, no futuro, o
ciberespaço se torne um feudo de caça das polícias políticas. As pessoas
sentem-se cada vez mais vulnerável à exploração da sua privacidade pelos governos
e pelos grandes grupos económicos que controlam o mundo. É fácil que quem
denuncia as más práticas, as injustiças e as arbitrariedades dos poderosos
seja, de certo modo olhado como herói.
As fotografias foram retiradas da Internet
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