Gil Eannes, 24 de Maio de 1970
Acordei com a luz da manhã e espreitei pela vigia.
Não há nevoeiro. É, portanto, dia de festa. Meio disco de sol emerge das águas estanhadas e tinge o mar de violeta, enquanto tímidas nuvens ensanguentadas dão mais cor à alvorada. Verifico que fui dos últimos, a bordo, a levantar-me. É sinal de que não fiz falta.
Poisou no mar um enxame de pontos negros. Se fixar o olhar num deles, noto que desaparece e volta a mostrar-se, ao ritmo da ondulação. Cada pequena mancha é um dóri. Transporta um corpo, uma alma, recordações e esperanças. Há cerca de 1500 num raio de cinco milhas. Espalharam-se em redor de vinte navios, como rebanhos num prado grande repartido por muitos pastores.
Estamos nos Rocks, nos bancos da Terra Nova. Juntou-se cá boa parte da frota portuguesa de pesca à linha. Para fora desta zona, o mar é o deserto de sempre.
Aqui, os homens pescam juntos. Podem conversar e ajudarem-se uns aos outros. Discutem também. Chega a haver lutas, quando os aparelhos se embaraçam e as vozes se alteiam. Em noites de ar límpido, as luzes dos navios alegram o mar. Virgin Rocks é uma aldeia portuguesa com as casas separadas por ruas de água.
O capitão Mário Esteves mandou levantar o ferro. O Gil Eannes desloca-se cuidadosamente, a meio dos dóris. Distinguem-se as expressões nos rostos dos pescadores. A pesca vai mal. De vez em quando, um trol (trawl) recolhe alguns peixes pequenos. Há grandes espaços vazios nas linhas anzoladas.
Os botes vão leves, com a borda bem elevada acima da linha de água. Há-os que têm um pequeno mastro à proa. Outros (não muitos) dispõem de um motor fora de borda.
Choram-se os pescadores que não há peixe, que dantes faziam num dia não sei quantos quintais. Noutros tempos, um navio carregava e estava de volta a Portugal antes de Agosto. Os pescadores pouco lucravam. Quando o peixe é muito, vai quase dado. Contaram-me que ganharam menos numa ano em que encheram o navio do que na época seguinte, em que trouxeram pouco mais de meia carga.
Um grande corpo cinzento de formas arredondadas emergiu bruscamente junto a um grupo de três dóris, fazendo-os balançar mais. Desenhou, por momentos, a figura de um rochedo e logo desapareceu. É um cachalote. Voltou por duas vezes à superfície, sempre perto dos botes, que não parece recear. Os pescadores, sim, temem-nos porque lhes podem virar as embarcações. O homem do dóri mais próximo ergueu um remo na vertical, para chamar a atenção da baleeira que se dirige para nós.
Boa tarde!
ResponderEliminarContinuo a visitar os seus Post's sempre com agrado.
Não consegui comentar em "Historinhas da Medicina". Vou tentar novamente.
Cumprimentos
Zory
Agradeço o seu alerta. Julgo que os comentários a Historinhasdamedicina já estão fáceis de colocar.
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