O velho Kuíma fumava o seu cachimbo de liamba. Deixou-se dormir e sonhou.
O tempo era novo e Kalunga acabara de nascer.
Entrou contente no mundo. Gostou de si próprio e sorriu.
O sorriso soltou-se-lhe dos lábios. Kalunga chamou-lhe pássaro. Soprou-o para o alto e deu-lhe forma. Ofereceu-lhe também o poder de voar. O bater das asas alegrou a noite do início. Estava criado o primeiro sonho.
O Mais Velho ficou ainda mais satisfeito. Sacudiu as mãos de contentamento. Provocou uma aragem. Abriram-se rasgões no escuro, em frente ao pensamento: inventara o olhar.
Teve de aprender a utilizar aquele novo instrumento. Não foi fácil. Quando o conseguiu, espreitou demoradamente à sua volta. Observou tudo com muito, muito cuidado. Levou tempo. Depois, sentou-se e reflectiu.
As coisas assim não estavam bem. Faltava cor ao mundo. Kalunga agachou-se e apanhou do chão um punhado de caulino e outro de argila vermelha. Juntou-lhe pigmentos daqui e dali e começou a pintar.
Não acertou logo. Teve de fazer experiências e sentiu mesmo a falta de um conselho, mas a única companhia que tinha era a do pássaro e ele não parecia esperto. Hesitou bastante antes de se decidir.
Por fim, escolheu para o céu tons de azul. O campo, depois de pensar, coloriu-o de verde. Pintou a noite de um preto muito preto. Achando-a triste, enfeitou-lhe o tecto com uma multidão de pontinhos doirados. Tudo ficou mais lindo.
Kalunga maravilhou-se com a sua obra. Pôs-se de pé e chorou de alegria. Criara a chuva.
As lágrimas tombaram. O solo recolheu as que pôde e sentiu-se grato. Como eram muitas, não foi capaz de as beber todas. As que sobraram acabaram por escorrer. Formaram regatos que deslizaram montes abaixo e se juntaram em rios.
O Ser mais antigo voltou a olhar em redor. A terra parecia quase perfeita. Quase... Estava deserta.
Kalunga criou então o homem e os bichos do mato. Alguns pássaros encantaram-se com a água. Mergulharam e fizeram-se peixes.
A erva acabou-se no cachimbo e o velho Kuíma sentiu nos joelhos as doeres de sempre. Mexeu-se um pouco, sem se levantar do tronco onde estava sentado. Não lhe apetecia despertar.
Em: Os colonos. Modificado para O dia em que Deus começou a desmontar o Mundo.
Fotografia do autor
Também publicado em O BAR DO OSSIAN
Ah! Valeu!
ResponderEliminarComo sabe bem a chocolate esta prosa.
Obrigado pelos momentos e pelo que me
fica na imaginação.
Obrigado.
Um Abração.
Boa tarde
ResponderEliminarContinuo a gostar do que escreve e com uma panóplia tão grande de temas, lê-lo imforma e
aumenta conhecimentos, distrando.
Cumprimentos
Zory