AS
VOZES NO MARFIM
II
O maior tem metro e meio
de comprimento. Como o processo de esculpir lhe retirou grande parte da
massa, pesa apenas 13 quilos.
O amigo que que o trouxe de Angola, à moda de transferência bancária, e mo vendeu, disse-me que as
esculturas contavam quatro histórias.
Quarenta anos depois de o
comprar, decidi analisá-lo. Dito de outro modo, quis ler o que transmitia. Retirei-o
do suporte, lavei-o, fotografei-o com todo o cuidado e pus-me a estudar as imagens. É mais fácil do que rodar um dente relativamente grande
Fiquei desapontado. Não
fui capaz de descortinar qualquer enredo.
Repetem-se as cenas de trabalho e de convívio.
As pessoas transportam cargas, comem, bebem e parecem conversar. Identificam-se
algumas árvores, como um coqueiro e uma bananeira.
As cubatas tanto são
cónicas como de base quadrangular. Note-se que em Angola, antes da colonização, as habitações do sul eram de base cónica e as do norte de base quadrangular, sendo todas cobertas por colmo (capim). Algumas construções são elaboradas, vendo-se alpendres. Julgo que a mistura de estilos indica troca de experiências e influência dos colonos
brancos. Parece haver, pelo menos, um celeiro.
A maioria das figuras está
agachada ou sentada. Têm todas o tronco nu e vestem um pano que desce até aos
joelhos, ou mais baixo. As mulheres são raras e não têm enfeites. Poderá haver crianças, mas não são apresentadas com clareza.
Veem-se duas fogueiras com
panelas em cima.
As vasilhas são de formas
variadas. Algumas têm tampas.
Observam-se cachos de bananas, mas não são figuradas cenas de
agricultura nem de pastorícia. Aliás, não há animais representados neste dente.
Não se avista uma arma.
Encontrei cenas da vida
quotidiana, mas não fui capaz de identificar qualquer história. Aceito a
possibilidade de a culpa ser minha, por não ser capaz de identificar o que está
mesmo à frente dos olhos. Poderá haver símbolos que me escapam.
Será que estão a tentar ascender à sabedoria? Não consta que essa seja uma preocupação dos povos de Angola. Por outro lado, poucas figuras estão de pé. Parecem contentes com a situação em que vivem.
Quem quiser ler ali histórias terá de as inventar.
Sem comentários:
Enviar um comentário