PIETÀ
Estive
em Roma há alguns anos e visitei o Vaticano. Ao entrar na Basílica de S. Pedro,
achei-a grande demais para o meu gosto, embora entendesse que deveria ser
assim, dada a necessidade de impressionar os fiéis vindos um pouco de todo
mundo para visitarem o coração da cristandade.
Lá
dentro, a profusão de estátuas não me entusiasmou, nem me tocou a
sensibilidade. Glorificam papas, heróis e santos. Admirei o disco de pedra
vermelha do Egito onde Carlos Magno ajoelhou para a sua coroação. Era estranho
ver tão de perto um testemunho da História distante. Imaginei-me a assistir à
cerimónia, encostado a uma parede, atrás dos notáveis.
Tinha
consultado um livrinho e estava relativamente bem informado. Procurei a nave da
epístola, que se encontrava na alameda do lado direito. A Pietà de Miguel
Ângelo fora colocada na primeira capela. Representava Jesus morto, no regaço da
Virgem Maria.
Miguel
Ângelo Buonarroti deixara a adolescência havia pouco quando o cardeal francês
Jean Bilhères de Lagraulas, embaixador do Reino de França na Santa Sé, lhe
encomendou aquele trabalho. O contrato assinado obrigava o artista a terminar
a obra no prazo de um ano. Miguel Ângelo cumpriu o acordo, mas o cardeal não
chegou a ver a escultura terminada, pois morreu alguns dias antes de se esgotar
o período contratado. A Pietà foi colocada no seu túmulo. Dois séculos e meio
mais tarde, procedeu-se à transladação para o local onde se encontra
atualmente.
A
técnica utilizada permite que o conjunto escultórico se possa olhar de todos os
ângulos, embora se aprecie melhor de frente. Saltam aos olhos de quem se chega
perto duas contradições determinadas pelo sonho e pela estética: por um lado, o
Cristo é menor que a Virgem; por outro, Miguel Ângelo esculpiu uma Senhora mais
nova que o filho morto. De certo modo, imaginou-a antes de Jesus ter nascido,
como se pudesse permanecer eternamente bonita e jovem. Maria é figurada como
menina mãe. Há mais. Aquela mulher é bela e desejável. A tristeza que lhe marca
a expressão do rosto induz nos homens sentimentos de proteção, mas também atrai. Não aconteceu assim por acaso. Julgo que Miguel Ângelo quis representá-la desse modo.
Foi
ele próprio a escolher o mármore que iria talhar, quase como um jovem escolhe a
namorada. Vê-se que o grupo escultórico foi uma obra de amor. O artista
imaginava e fingia acreditar que o bloco de pedra continha, desde o início, as
figuras idealizadas. A ser assim, qualquer rocha conteria em si toda a beleza e
toda a fealdade do mundo. O artista olhava e via a dor de uma mãe a quem tinham
morto o filho. A sua vontade e a sua técnica iriam encarregar-se de as pôr à
mostra, de as revelar aos olhos do mundo.
Houve,
ao tempo, quem sugerisse que uma obra assim perfeita não poderia sair do cinzel
de um escultor tão novo. Miguel Ângelo conclui o trabalho aos 24 anos. Estava-se
em 1499, o ano em que Vasco da Gama regressara a Lisboa, depois de aprender o
caminho por mar para a Índia.
O
artista irritou-se e inscreveu o próprio nome na faixa que atravessa o corpo de
Maria. Com isso, não ganhou o hábito de assinar os seus trabalhos.
Em
maio de 1972, um louco golpeou a estátua com um martelo enquanto gritava que
era Jesus Cristo, ressuscitado dos mortos. Feriu o rosto magnífico e um dos
braços. Felizmente, o trabalho de restauração foi quase perfeito. Desde então,
a Pietà está protegida por um vidro resistente.
Sem comentários:
Enviar um comentário