GIL
EANES E A ESCRAVATURA
A
questão da escravatura continua a ser abordada com algum pudor nos países que a
praticaram.
Portugal,
que fez dela um comércio em larga escala, foi também um dos primeiros
países do mundo a decretar a sua abolição. Não a introduziu em África. A escravatura fez parte da tradição cultural
e da prática de vida de povos de todos os continentes e era já corrente entre
os hebreus dos tempos bíblico. Persistiu até aos nossos dias. A Mauritânia apenas
a aboliu em 1981.
Será
conveniente enquadrar a escravatura na história do nosso processo colonial. A
Expansão Portuguesa começou pelas expedições de marinheiros algarvios à costa
africana, em busca de proveitos comerciais. A conquista de Ceuta e o ataque a
Tânger, em que estiveram envolvidos centenas de navios e milhares de homens,
são testemunhos do interesse da Coroa Portuguesa em meter lanças em África, mas
têm pouco a ver com os esforços bem mais modestos, em moeda, em tripulações e
em navios que levaram à exploração progressiva do litoral africano quase
deserto, cada vez mais para sul. Neste contexto, a passagem do Cabo Bojador
abriu as portas à exploração de toda a costa ocidental africana. Dali até ao
Cabo da Boa Esperança, onde confluem o Atlântico e o Índico, não existem
outros obstáculos significativos à navegação costeira.
O
Bojador está situado na costa do Saara, numa área atualmente controlada pelo
Reino de Marrocos. Ali, os recifes e os bancos de areia prolongam-se por muitas
milhas mar adentro, impedindo a passagem das embarcações. O fracasso de
tentativas sucessivas de o transpor e as naus e as vidas que nelas se perderam
fizeram-no entrar no imaginário dos portugueses como símbolo do medo e da morte
no mar.
Em
1434, Gil Eanes, de Lagos, comandou quinze homens que partiram numa barca de
trinta toneladas com uma única vela redonda e navegaram para sul, com a costa
africana à vista. Note-se que a embarcação tinha tonelagem muito inferior à das
caravelas e não dispunha de velas latinas. Provavelmente, teria também menor
calado, o que poderia ser um fator importante na travessia dos baixios.
Quando
se aproximou do Cabo, o capitão rumou para oeste, até longe da costa. Terá
navegado durante um dia inteiro. Quando deu com um mar tranquilo, Gil Eanes inverteu
o rumo para sudeste, até ter de novo a costa próxima. Percebeu então que havia
dobrado o Bojador.
O
lado escuro da história é que Gil Eanes, um herói nacional, regressou várias
vezes à costa africana para capturar escravos. Caçavam mouros desprevenidos que
eram depois vendidos em Lagos, num terreiro que ficava em frente às portas da
vila. Julga-se que o Infante D. Henrique esteve envolvido no início desse tráfico.
Encontram-se
historiadores que questionam as motivações atualmente apresentadas para a
Expansão Portuguesa. Para eles, a necessidade de alargar a fé e o império era pulsão
corrente na época e nós, partidários duma visão economicista do passado,
deixamos de ser capazes de a entender. Certo é que os escravos foram, desde
sempre, uma das grandes fontes de rendimento das colónias portuguesas em
África.
De
um modo geral, os negreiros portugueses não capturavam escravos. Compravam-nos
a quem os tinha apanhado.
No
século XVI, a região onde se situa hoje a Guiné-Bissau passou a ser dominada
pelo reino do Gabu. Os reis de Gabu vendiam escravos aos portugueses, que os
exportavam para as Américas. A região chegou mesmo a ser chamada Costa dos
Escravos. Portugal recorreu a alguns destes cativos para povoar as ilhas de
Cabo Verde, desabitadas em 1456, altura em que Diogo Gomes as descobriu.
A
partir do final do século XIV, a exploração da costa africana tornou-se
rentável para os nossos marinheiros e mercadores. No século seguinte iniciou-se
a colonização, de forma bem modesta.
Foram construídos alguns entrepostos
comerciais fortificados para residência permanente, os quais serviam também de
pontos de apoio à navegação costeira. Chamavam-lhes feitorias. A primeira foi a
de Arguim, fundada na região do Cabo Branco, em 1448. O Castelo de S. Jorge da
Mina, construído em 1482 na costa do atual Gana, no local onde se situa agora a
cidade de Elmina, viria a constituir a mais importante instalação comercial
portuguesa na zona Equatorial de África. A atividade comercial consistia na
troca de trigo, tecidos, cavalos e conchas (zimbo) por ouro, marfim e escravos.
No ano seguinte à construção da feitoria de S.
Jorge da Mina, Diogo Cão chegou ao rio Zaire.
No século XVI, os portugueses começaram a
estabelecer também feitorias na costa da Guiné, no litoral ou junto aos braços
de mar. Nasceram assim as povoações de Cacheu, S. Domingos, Farim, Bissau,
Geba, Bolola, Rio Grande de Buba e posteriormente, Bolama, Bolor e Bafatá. Os
comerciantes vendiam pólvora, tabaco, aguardente e quinquilharia. Do começo do
século XVI às duas primeiras décadas do século XIX, adquiriam sobretudo
escravos.
O
tráfico de seres humanos foi praticado por nacionais de vários países europeus,
incluindo Portugal, durante perto de três séculos.
O grande Marquês de Pombal decretou o
seu fim, na Metrópole e na Índia, em fevereiro de 1761. Foi preciso esperar
quase cem anos para que a medida se estendesse ao continente português. Os
escravos do Estado foram libertados em 1854 e os da Igreja, que também os
tinha, em 1856. Foi apenas em fevereiro de 1869 que a escravatura foi abolida
em todo o império português, e ainda assim com exceções até 1878. No
Brasil a abolição da escravatura foi também um processo gradual que teve início
na convenção assinada entre o Brasil e a Inglaterra em 1825 e culminou na Lei
Áurea de 1888.
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