AINDA O ACORDO ORTOGRÁFICO
Há alguns anos (21/01/10), expus, neste espaço, a minha opinião sobre o Acordo
Ortográfico.
Antes e depois de o fazer, encontrei quem concordasse comigo e, também,
quem discordasse. A falta de consenso leva a pensar que se procurou e conseguiu,
um certo “acordo” internacional (pelo menos com portugueses, brasileiros e
cabo-verdianos) mas que não se obteve um “acordo” dentro de portas.
Em Cabo
Verde, o Acordo está em fase de implementação.
No
Brasil, segundo o linguista José Luiz Fiorin, “o Acordo já está completamente
implantado porque os jornais, revistas e livros utilizam a nova ortografia e
não havia necessidade de se prorrogar o início do período de obrigatoriedade
para 2016”.
O
governo angolano não aprovou o Acordo ortográfico, não sendo certo que o venha
a fazer. Em Moçambique, o Acordo ainda não foi ratificado pelo parlamento.
No
passado dia 13 de Maio, cumpriram-se os seis anos do período de transição e o
Acordo tornou-se obrigatório em Portugal. A polémica foi imediatamente relançada.
Ai, Deus, que nos roubam a língua!
Há
dias, Sampaio da Nóvoa, candidato presidencial, declarou, em Amarante, que “o
acordo ortográfico deve ser reavaliado com muita determinação”. Não consta que
o antigo reitor da Universidade Nova se tenha manifestado publicamente nesse
sentido, antes de enveredar pela vida política ativa. Felizmente, no nosso
regime semipresidencialista, as opiniões de um candidato a presidente, em
matéria de linguística, valem o mesmo que as dum cidadão comum, embora tenham
uma divulgação muito maior. Que me perdoe Sampaio da Nóvoa, mas pretende mesmo
lançar a confusão nas cabeças dos nossos netos? Os que iniciaram a escolaridade
no decurso dos últimos anos não aprenderam outra grafia.
Eu não
sou linguista, mas penso, falo e escrevo em português.
Considero
que, antes de se chegar a um acordo internacional, se deveria ter discutido a
questão, até alcançar um consenso nacional. Os “puristas” (alguns dos quais
encontram argumentos na raiz latina de muitos dos nossos vocábulos) defendem
que a correção da linguagem portuguesa deve passar pelo respeito escrupuloso
das regras gramaticais vigentes. Outros pensam que a escrita deve acompanhar de
perto a linguagem, indo buscar a legitimidade das novas formas às expressões
orais que se vão popularizando. Julgo que qualquer acordo deveria harmonizar as
duas tendências.
Pessoalmente,
acho que era mais do que tempo de reformular a ortografia da nossa língua. Teria
sido mais fácil proceder à sua revisão dentro de portas, à semelhança do que
foi feito, repetidamente, no passado. Já ninguém pretende ver escrito
“parochias”. Há muito que o “s” que precedia o “c” no início das palavras foi
abolido (lembre-se “sciência”). O “ph” de “pharmacia” e “philosofia”
desapareceu e não deixou saudades.
A meu
ver, a revisão da ortografia poderia ter ido mais além. De que servem os “h” no
início das palavras?
Em
tempos de computadores e de mensagens ”SMS” (abreviatura de Short Service
Messages) será difícil conter a tendência para a simplificação dos textos. Na
ausência de estatísticas que a permitam confirmar, fica a suposição de que,
hoje, o SMS é a forma mais usada de escrita em língua portuguesa. Nessa prática,
já caíram, há muito, o “ch”, substituído pelo “x” e o “qu”, que tem dois
herdeiros a competir: o “k”, ou o “q” (a substituir o “qu”, omitindo a vogal). Tratando-se de uma prática de massas, sobretudo entre a população
jovem, seria surpreendente que não conduzisse, a prazo, a modificações
significativas na escrita oficial.
A
internacionalização do Acordo espevitou nacionalismos e deu mesmo azo, a um
certo chauvinismo. “Então, levaram-nos as colónias e agora, querem roubar-nos a
língua?”
Não
precisariam de o fazer. A língua portuguesa é tanto deles como nossa.
Repare-se
que o Acordo ortográfico modifica a grafia das palavras (1,6% em Portugal e
0,5% no Brasil), mas não interfere na pronúncia.
Para os
brasileiros, as diferenças maiores assentam no uso do hífen e na acentuação dos
ditongos.
Para
nós, a modificação mais importante reside no abandono das consoantes mudas.
Secundariamente, desaparece o hífen, em algumas conjugações do verbo haver, e
modifica-se a acentuação de diversos vocábulos.
Compreendem-se
as reticências de países como Angola e Moçambique em relação ao Acordo
ortográfico. A verdade é que uma parte não contada mas significativa da
população desses dois países africanos desconhece a língua portuguesa. As
massas camponesas continuam a comunicar nos dialetos gentílicos. Nessas paragens, o domínio
do português é um privilégio das elites.
Como
era de prever, a introdução de corretores de texto, que adotam instantaneamente
a grafia antiga à nova, simplificou o processo de transição e reduziu o número
de oponentes ao Acordo ortográfico.
Prevejo que, mais do que livros, revistas e jornais, serão as telenovelas (acima do
cinema, em que nenhum país lusófono mantém notoriedade) os elementos
unificadores da linguagem falada, incluindo o aspeto da pronúncia.
Com a
profusão de neologismos de raiz tecnológica, quase todos os povos do mundo
falam cada vez mais inglês, ou incorporam vocábulos anglo-saxões nas suas
línguas nacionais. O inglês é a língua franca dos tempos modernos. No entanto,
não me parece necessário um “esperanto”. As grandes línguas mundiais, entre as
quais se conta o português, continuarão a ser faladas no futuro previsível.
Nós,
portugueses, deveríamos estar orgulhosos por termos desenvolvido uma língua que
é das mais usadas no mundo. Deixou há muito de ser exclusivamente nossa, para
se afirmar como património cultural da Humanidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário