Gonçalo Anes Bandarra nasceu em Trancoso no começo do século XVI. Terá morrido na meia-idade. De origem humilde e escolaridade duvidosa, era dotado de memória invulgar e gostava de recitar de cor longos textos dos Evangelhos. Escreveu trovas proféticas que inflamaram, mais tarde, o mito sebastianista. Ainda no tempo de D. João III, anunciou a vinda de um rei "encoberto", redentor da humanidade.
Aqui ficam duas quadras do sapateiro de Trancoso.
Quando de noite me ponho
a dormir sem me benzer
tudo o que há-de suceder
se me representa em sonho.
Faço trovas verdadeiras
e versos mui bem cumpridos
que hão-de vir a ser medidos
lá nas eras dianteiras.
Bandarra ganhou fama por acertar em algumas predições. Incomodado pelo Santo Ofício, foi deixado em paz, com a condição de "não se intrometer mais a responder nem escrever em nenhuma coisa da Sagrada Escritura".
Eis uma das suas trovas proféticas:
Já o tempo desejado
é chegado,
segundo o firmal assenta:
já se cerram os quarenta
que se ementa.
Por um Doutor já passado
o Rei novo é alevantado,
já dá brado:
já assoma a sua bandeira
contra a Grifa parideira
la gomeira
que tais prados tem gostado.
Não se entende tudo, mas isso será próprio das profecias. Filipe, primeiro rei do nome em Portugal e segundo em Espanha, fez sepultar seu tio, o cardeal-rei D. Henrique no transepto da Igreja dos Jerónimos. Em 1582, com o intento de pôr termo ao sebastianismo nascente, mandou vir do Norte de África e transladar para o mosteiro um corpo que se dizia ser do rei desaparecido em Alcácer Quibir. Repousa ainda hoje sobre dois elefantes, num sarcófago de mármore. A dúvida quanto à identidade dos restos mortais ficou registada pelo escultor: Aqui jaz, si vera est fama...
Modificado de O Túmulo de Camões, de António Trabulo (aguarda publicação).
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