O génio de Leonardo da Vinci aflorou quase todas as formas de expressão humana. Não se sabe que tenha cantado ou dançado mas pintou, esculpiu, aprendeu e ensinou anatomia, construiu máquinas de guerra e começou uma série de inventos que iriam ter repercussão prática séculos depois, com a descoberta dos motores. Escreveu também histórias e aforismos, geralmente com preocupações morais. A sua produção literária foi ensombrada pela sua espantosa obra plástica, mas seria quase pecado ignorá-la. Exponho aqui quatro das suas fábulas.
A figueira que vivia ao lado do ulmeiro, apercebendo-se de que, embora não produzisse frutos, os galhos do ulmeiro tinham o descaramento de impedir o sol de incidir nos seus próprios figos ainda verdes, repreendeu-o, dizendo: "Ó ulmeiro, não tens vergonha de estar diante de mim? Espera que os meus filhos cheguem à idade madura , e verás o que te acontece!". Mas, quando a prole dela amadureceu, chegou ao local um regimento de soldados, que cortou os ramos da figueira para lhe levar os figos, deixando-a esbulhada e partida.
Vendo-a assim estropiada em todos os seus membros, o ulmeiro comentou: "O figueira, quão melhor é não ter filhos do que ser colocado, por causa deles, em transe tão infeliz!"
A traça que rodopiava ociosamente, não contente com a sua capacidade de voar para onde lhe agradasse, sentiu-se fascinada pela sedutora chama da vela e resolveu voar na sua direcção. Mas tal movimento jubiloso deu lugar à imediata desolação. Pois na referida chama se consumiram suas delicadas asas, e a infeliz traça, depois de muito choro e contrição, limpou as lágrimas que lhe escorriam dos olhos e, erguendo o rosto, exclamou: "Falsa luz, quantas como eu já terão sido miseravelmente enganadas por ti em tempos passados! Ai de mim! Se o meu desejo era contemplar a luz, não deveria ter distinguido o sol do falso brilho do sebo imundo?"
Uma noz, que deu por si transportada por um corvo para o alto de um campanário, tendo aí caído para o interior de uma fenda, escapando assim ao mortal bico da ave, implorou ao muro que, pela graça que Deus lhe tinha conferido fazendo-o tão gracioso e exaltado, e tão rico, com sinos de tanta beleza e som tão aveludado, se dignasse socorrê-la; que, já que não tinha sido capaz de cair entre os ramos verdes de seu pai, para repousar na terra fulva coberta pelas suas folhas caídas, o muro a não abandonasse, pois, ao ver-se dentro do cruel bico do terrível corvo, prometera que, se dali escapasse, acabaria os seus dias num pequeno orifício. Ao ouvir estas palavras, movido pela compaixão, o muro mostrou-se disposto a dar-lhe abrigo no ponto onde ela tinha caído. E, dentro de pouco tempo, a noz começou a abrir e a lançar raízes por entre as fendas das pedras, e a separá-las cada vez mais umas das outras, e a lançar rebentos no seu interior, e estes não tardaram a chegar ao alto do edifício, e à medida que se tornavam mais espessas, as raízes retorcidas começavam a separar os muros e a afastar as antigas pedras das suas posições originais, Nessa altura, deplorou o muro, tarde demais e em vão, a causa da sua destruição, e em pouco tempo foi separado e uma grande parte ruiu.
Que dizer? Tudo o que Leonardo fazia era perfeito.
Referências:
Texto: Os Apontamentos de Leonardo da Vinci. Editado por H. Anna Suh, Parragon Books, impresso na Indonésia.
Imagens: mesma fonte e Leonardo da Vinci - Pintura Completa, Frank Zollner, TASCHEN.
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