DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

PASSAGEM DE ANO



     Existem datas a que se associam significados artificiais que impregnaram a alma coletiva. É o caso do “Fim de ano”. Servirá de pouco indagar a sua origem. Corresponderá a outro cálculo imperfeito do solstício do inverno.
     Insinuou-se no pensar de muitos que um certo período termina e que se abre uma época nova e quase virgem em que serão possíveis mudanças de atitudes e enfrentamentos novos das realidades da vida. Tais intenções raramente frutificam.
     Ultrapassei esta “barreira” oitenta e uma vez. Reconheço que este dia é tão bom ou tão mau como qualquer outro para tecer balanços do passado e para desenhar projetos. Fiz as contas há muito tempo. 

 



     Já fui este menino. 
  Alguns dos meus amigos mais chegados já partiram. Houve também os que deixaram de gostar de mim. A vida empurrou-nos em sentidos divergentes e eu nunca tive um feitio que agradasse a todos. Restam uns poucos. Queremo-nos bem.
     Sou homem orgulhoso e consciente do que valho. Ao longo de toda a vida, nunca fiz intencionalmente mal a ninguém. Considero que os deuses, apesar de me terem dado cedo algumas dentadas fundas, acabaram por ser generosos comigo.


 


    Proporcionaram-me a facilidade de entender as coisas. Toleraram-me a propensão para alguns excessos hedónicos, mas compensaram-na com um sentido amplo de responsabilidade. Pude construir um percurso profissional honroso e uma experiência literária digna e satisfatória. Ajudei a construir uma família repleta de carinho. Orgulho-me das carreiras das minhas filhas e dos meus netos.
   Escreveu Bai Juyi, um poeta chinês de quem gosto de me imaginar amigo apesar dos mais de mil e duzentos anos que nos separam, que o homem feliz vê voar os dias e o homem triste os arrasta, como o caracol. A minha vida passou a correr.


 


    Chegado aqui, o que posso esperar do futuro? Onde abrigar as pequenas esperanças que ainda me restam? 
    A aspiração a um remate tranquilo da vida é comum a quase todos os locais e culturas. Habito em Setúbal há muitos anos. São reverenciados na cidade o Senhor do Bom Fim e a Senhora da Boa Morte. 
     Deixei há muito de ter pressa. Quero saúde e tranquilidade para os meus. 
      Quanto à Morte, quando vier que venha!


 

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