A VERDADE
DESPORTIVA
Fiz-me adepto da Académica
no começo da adolescência.
Anos mais tarde, em
Coimbra, sem ter chegado a ser um fanático do futebol, fui acompanhando de
perto as alegrias e tristezas do meu clube.
A dada altura, zanguei-me
com a Académica. Era já homem. Aconteceu quando Fernando Peres, um talentoso
médio de ataque, foi transferido do Sporting para a Académica, ao abrigo do
estatuto de trabalhador-estudante, com prejuízo para o clube leonino. Considerei
aquela transferência uma baixeza legal. O Peres andava no quinto ano do liceu
quando foi para Coimbra e, tanto quanto sei, nunca passou daí. Na juventude,
pelo menos, os meus padrões morais eram elevados e reneguei de vez a secção de
futebol da Associação Académica de Coimbra. Aproximei-me do Benfica, cuja
carreira então brilhante nunca deixara de aplaudir.
Há quem diga que um homem
pode mudar de carro e de mulher, mas nunca de clube.
Os carros duram, em média,
menos do que os cães, e já tive muitos cães. Estou casado com a mesma mulher há
mais de 50 anos e já mudei duas vezes de clube. Vim viver para Setúbal, há quatro décadas, e tornei-me adepto do Vitória.
Esta introdução já vai
longa. Reconheço que não acredito na verdade desportiva no futebol de alta
competição, embora aceite que, feitas as contas, acaba habitualmente por ganhar
o melhor. Vou contar duas pequenas histórias cuja veracidade não posso
assegurar.
Consta que há muitos anos,
quando Pedroto se mudou de Setúbal para o Porto, recusou antes uma proposta do
Sporting por considerar reduzidas as verbas destinadas aos árbitros. “Si non e
vero, e ben trovato”.
A segunda história, de
moral igualmente duvidosa, refere-se a Napoleão Bonaparte. Conta-se que no Egito,
num intervalo entre campanhas, o grande chefe militar se entretinha a jogar
cartas com os seus oficiais superiores. Um dos generais mais próximos dele,
atreveu-se a criticá-lo:
− Peço perdão, mas acho
que o meu imperador fez batota.
Napoleão recolheu
displicentemente as cartas, antes de baralhar e confessou:
− Eu não gosto de deixar
nada entregue ao acaso.
Desconheço as implicações
que as acusações levantadas nos últimos meses e dias ao Benfica irão ter.
Vem-me, contudo, à ideia a carreira de Pinto da Costa, provavelmente o maior
dirigente desportivo português de todos os tempos. Custa-me crer que ele tenha
deixado grandes coisas ao acaso.
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