DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 17 de outubro de 2010

A LEVA DA MORTE


Fez ontem 92 anos!
Na tarde de 16 de Outubro de 1918, Francisco Correia de Herédia, primeiro e único visconde da Ribeira Brava, foi assassinado. Formado em Letras e esgrimista notável, tornara-se uma figura importante do Partido Progressista de José Luciano de Castro. Iria abandoná-lo, com José Maria de Alpoim, quando da Dissidência Progressista. Fidalgo cavaleiro da Casa Real, ostentou várias comendas e foi governador dos distritos de Beja, Bragança e Lisboa.
Numa reunião efectuada em sua casa, na Avenida da Liberdade, em 11 de Julho de 1907, foi decidido passar à acção directa contra a ditadura de João Franco. Estavam presentes José Maria de Alpoim, Afonso Costa e Alexandre Braga.
Eram precisas armas. Pagou-as o visconde. Levantou-as, na loja de um carbonário, no começo de Janeiro de 1908. Eram nove carabinas Winchester calibre 351 e um lote de pistolas FN-Browning. Foram escondidas nos Armazéns Leal, na Rua de Santo Antão.
Alguma informação chegou aos ouvidos do comandante da polícia, que mandou revistar a loja. Afonso Costa foi avisado. Enroladas em tapetes, as armas foram levadas, no automóvel de Ribeira Brava,a para a casa de Luís Grandela, irmão do proprietário dos Armazéns Grandela.

A 28 de Janeiro de 1908, os líderes revolucionários aguardaram no Elevador da Biblioteca, a S. Julião, a notícia da morte de João Franco e do triunfo da rebelião. As horas passaram, sem que chegassem boas novas. João Franco não estava em casa e escapou. As entradas e saídas no elevador, que estava desactivado, deram nas vistas da polícia. Foram presos mais de cem conspiradores. Contavam-se, entre eles, Afonso Costa, Ribeira Brava e Egas Moniz. Alpoim conseguiu fugir, de automóvel, para Espanha.
Quatro dias depois, a 1 de Fevereiro de 1908, Manuel Buíça atirou contra o rei e contra o príncipe D. Luís Filipe com uma carabina Winchester, enquanto Alfredo Costa, com o pé no estribo da carruagem real, fazia fogo com uma pistola Browning. As armas faziam parte do lote que Ribeira Brava pagara e levantara da loja do carbonário Gonçalo Heitor Ferreira.
Em 1910, foi instaurada a República. O visconde tinha 58 anos. Abandonou o título, juntou Ribeira Brava aos seus apelidos e aderiu ao Partido Republicano Português, mantendo-se sempre chegado a Afonso Costa. Foi eleito Deputado da Nação, como já tinha sido durante a Monarquia. Teve grande influência política na Madeira, de que foi governador.
Em Outubro de 1918, a agitação social contra o governo de Sidónio Pais recrudesceu. Havia tumultos espontâneos e acções organizadas pela oposição democrática.
Na manhã do dia 12, um regimento de Coimbra levantou-se contra o governo. O alferes Sidónio Pais, filho do Presidente, foi perseguido pelas ruas da cidade.
Em Lisboa e no Porto, não chegou a acontecer nada. As coisas terão corrido mal aos revoltosos, pois é difícil acreditar que os de Coimbra tentassem deitar abaixo Sidónio sem contarem com apoios importantes no resto do País.
Terá sido essa a interpretação do Presidente. Face à ameaça de insurreição generalizada, decretou o estado de sítio. As cadeias encheram-se de democráticos. Ribeira Brava também foi preso.
Quatro dias depois, já não cabiam mais prisioneiros nos calabouços do governo Civil de Lisboa. As autoridades decidiram transferir uns tantos para os fortes do Campo Entrincheirado (São Julião da Barra, Alto do Duque e Caxias).
Ao fim da tarde do dia 16, cento e cinquenta presos foram reunidos no pátio do Governo Civil. Saíram dali, enquadrados por mais de duzentos e cinquenta guardas armados. Deviam dirigir-se ao Cais do Sodré, onde os aguardava um comboio especial.
A coluna atravessou o Largo da Biblioteca e chegou à Rua Vítor Córdon. Ouviu-se um tiro e a confusão estabeleceu-se. Os guardas disparavam para onde estavam virados. Quando o tiroteio cessou, havia no chão sete mortos, entre os quais se contava um guarda. O corpo de Ribeira Brava foi encontrado numa valeta, degolado por um golpe de baioneta. O antigo visconde tinha 66 anos.
No dia seguinte, um comunicado do governo "esclarecia" o incidente. Francisco Herédia recebera, na prisão, uma pistola escondida num tacho de açorda. Procurara fugir, atirando contra os guardas da escolta.
A pistola nunca foi encontrada, Há quem diga que alguém disparou contra a polícia, de uma janela de um bordel da Calçada do Ferragial.
A voz do povo fez o seu julgamento: a matança terá sido organizada pela polícia sidonista.
A História vai dando voltas. O visconde é trisavô de Isabel Herédia, esposa de Duarte de Bragança. Para além dos homens de mão, dos executantes, houve três nomes que o povo associou ao planeamento do regicídio: os de Afonso Costa, José Maria de Alpoim e Ribeira Brava.






Fontes: República - A Luz e a Sombra, de A. Trabulo.


Fotos : Net.


Também publicado em Milhafre.

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