Pela mão de Álvaro de Campos, enviou ao jornal "A Capital", a 6 de Julho de 1915, uma carta em que negava a conotação de futurismo aplicada ao drama que o grupo do Orpheu tencionava apresentar. Rematava do seguinte modo:
Passo em branco sobre a atribuição de futurismo que nos pretendem lançar. De resto, seria de mau gosto repudiar ligações com o futurismo numa hora tão deliciosamente mecânica em que a própria Providência Divina se serve dos carros eléctricos para os seus altos ensinamentos.
Dois dias antes, Afonso Costa, acompanhado por alguns amigos, resolvera dar um passeio até Algés, para gozar a brisa fresca do mar. Quando o veículo chegou à Avenida 24 de Julho, viu-se um clarão e ouviu-se o que parecia ser um disparo. Costa julgou que o tentavam matar e atirou-se pela janela do eléctrico em movimento. Fracturou o crânio e ia morrendo. Correu em Lisboa uma adivinha malévola:
Qual é a coisa, qual é ela, que entra pela porta e sai pela janela?
Dias depois, Álvaro de Campos voltou a atacar Afonso Costa, noutra carta endereçada ao mesmo jornal. Rezava assim:
O chefe do Partido Democrático não merece a consideração devida a qualquer membro da humanidade. Ele colocou-se fora das condições em que se pode ter piedade ou compaixão pelos homens. A sua acção através da sociedade portuguesa tem sido a dum ciclone, devastando, estragando, perturbando tudo, com a diferença, a favor do ciclone, que o ciclone, ao contrário de Costa, não emporcalha e enlameia. Para o responsável máximo do estado de anarquia, de desolação e de tristeza em que jazem as almas portuguesas, para o sinistro chefe de regimentos de assassinos e de ladrões, não pode haver a compaixão que os combatentes leais merecem, que aos homens vulgares é devida. Costa nem sequer tem o relevo intelectual que doure a sua torpeza. A sua figura é a dum sapo que misteriosamente se tornasse fera...
... Por isso eu quero frisar - e sei que ao frisá-lo estão comigo os votos de grande número de portugueses, dos católicos oprimidos, das classes médias atacadas, dos cidadãos pacíficos assaltados nas ruas, de todos aqueles que o general Pimenta de Castro representava - que só não me regozija, no desastre acontecido a Costa, a circunstância, que infelizmente se parece confirmar, do seu restabelecimento.
A redacção do jornal achou por bem arquivar a carta numa gaveta.
Referências:
Obra essencial de Fernando Pessoa, Prosa publicada em vida. Edição de Richard Zenith. Assírio e Alvim, Lisboa, 2006.
República - A Luz e a Sombra. A. Trabulo (no prelo).
Foto e caricatura: net.
Também publicado em "Milhafre".
A segunda carta, que não passa de um rascunho inacabado, não foi enviada ao jornal A Capital.
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