CRÓNICAS DO MAR
A ALIMENTAÇÃO A BORDO DOS NAVIOS BACALHOEIROS
Comia-se bem, a bordo do Gil Eannes, no final da década de 60. As refeições dos oficiais consistiam em sopa, prato de peixe, prato de carne e sobremesa. O resto da tripulação não passava nada mal. Os navios de pesca tinha a vantagem de poderem recorrer ao peixe do dia.
Noutros tempos, não era assim. Nas viagens de longo curso, antes de existirem frigoríficos, a alimentação era sujeita a grandes limitações. Levava-se o que não se estragava: biscoitos, salgados e conservas. Ainda hoje, na Ilha Terceira, nos Açores, na costa oposta a Angra do Heroísmo, existe a povoação de Biscoito, que terá ganho o nome da provisão que ali iriam fazer os navios do largo.
Durante as travessias, raramente se podia pescar. A comida era um enjoo. Os navios costumavam levar galinhas e uma vaca, ou algumas cabras. Os animais ocupavam espaço e a comida deles também. Faziam muita porcaria e eram abatidos cedo. Quando se matavam, era uma festa, mas a carne tinha de ser consumida depressa, para não se estragar.
Ao passar ao largos dos Açores, rumo à Terra Nova, lá se apanhava alguma tartaruga, o que permitia fazer belas canjas. Uma vez por outra, arpoava-se um golfinho imprudente que se divertia a acompanhar a embarcação. Dizia-se que dava bons bifes de cebolada.
Consultemos uma lista de produtos alimentares embarcados para uma viagem de cerca de seis meses, num lugre de 30 pescadores, durante a década de 1920-1930:
40 barricas de farinha de trigo
18 barricas de carne de vaca salgada
50 Kg de carne de porco salgada
1350 Kg de batatas
1100 Kg de feijão seco encarnado e branco
150 Kg de feijão frade
150 Kg de grão de bico
100 Kg de arroz
100 Kg de açúcar
10 Kg de especiarias
90 Kg de banha
200 Kg de toucinho
60 Kg de café moído
5 Kg de chá
360 Kg de cebolas
Duas latas de chouriço
400 litros de azeite
200 l de vinagre
40 l de óleo para frituras
400 l de vinho
400 l de aguardente
8 fardos de bacalhau seco
120 garrafas de cerveja
12 garrafas de vinho do Porto
Não parece muito o chouriço... É curioso reparar que o número de litros de aguardente é igual ao de vinho.
Nos Bancos da Terra Nova, inventavam-se pratos a fingir carne, como o arroz de corações de bacalhau, mas as opções eram reduzidas. As cagarras, uma variedade de gaivotas, davam uma bela caldeirada, depois de passarem três dias em vinha de alho, para lhes tirar o sabor a peixe. As gaivotas espreitam a escala em grandes bandos, à espera dos restos. A sua pesca é cruel: isca-se o anzol com um pedaço de fígado de bacalhau e atira-se ao vento. Não se pode escolher quem vem ao isco e, às vezes, sacrificam-se gavinas e albatrozes.
A adaptação de motores aos navios de madeira iniciou-se no começo da década de 30. Durante bastante tempo, os lugres tiveram propulsão mista, à vela e a motor. Alguns passaram a dispor de frigoríficos para o isco e para as provisões dos tripulantes.
Ainda hoje o cozinheiro é o homem mais importante a bordo, a seguir ao capitão. Acima desse, só Deus, e mora longe... Sujeitos a uma vida de dureza extrema, a satisfação do estômago era das poucas que os pescadores iam conseguindo no dia a dia.
Fontes: Francisco Correia Marques. Em: Oceanos, nº 45, Janeiro/ Março 2001.
Foto do autor.
Boa tarde.
ResponderEliminarAcabo de descobrir este seu blogue, em especial o que escreve sobre a pesca do bacalhau.
Gosto muito de estudar a Faina Maior, pois sou natural das Caxinas e o meu pai e avô (e tios e vizinhos) foram pescadores nos dóris até 1974. O meu pai fez os seus 8 anos de bacalhau entre 1967-1974 a bordo do n-m "Novos Mares", sendo este navio um dos últimos a pescar com dóris em 1974 e consequentemente em toda a história da pesca ao bacalhau. Julgo que eram só 2 com dóris na campanha de 1974.
Gostaria de lhe perguntar se tem alguma foto referente ao "Novos Mares" ou dos seus dóris a pescar. Procuro há muito tempo detalhes sobre este navio e seus dóris, do qual há muito pouco. Lembra-se por acaso das cores destes dóris?
Obrigado pelo que escreve.
Atentamente,
António Fangueiro
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt
Olá de novo.
ResponderEliminarSe preferir escrever-me para o meu email, poderá fazê-lo para cachinare@sapo.pt
Atentamente,
António Fangueiro
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt
Vou procurar. Não sei se a qualidade das fotografias que guardo dá para identificar o Novos Mares, de que me lembro relativamente bem.
ResponderEliminarNaveguei no Gil Eannes de 70 a 71 e devo ter-me cruzado com o seu pai.
Cumprimentos.
Bom dia.
ResponderEliminarObrigado pela sua resposta. Menciona que se lembra relativamente bem do "Novos Mares". Caso tenha algumas histórias relacionadas com este navio, e se sinta inspirado a escrevê-las, seria interessante vê-las no seu blogue, pois é um navio que me diz muito.
Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt