OS DIAS DO VENTO SUL
Foi
com agrado e também com certo orgulho que colaborei na apresentação do livro
“Os dias do vento Sul”, da autoria do meu colega e amigo Jorge Seabra, que foi
galardoado pela segunda vez com o Prémio de Romance da SOPEAM.
Quem
conhece os livros do autor entenderá facilmente o agrado, mas poderá
surpreender-se pela manifestação de orgulho por uma obra que não é minha.
Não é
minha, mas provem da mesma grande casa simbólica: A República “Kimbo dos
Sobas”, em Coimbra. Todos bebemos da mesma fonte.
Estivemos
lá em alturas diferentes – apesar do cabelo branco, o Jorge é mais novo do que
eu.
A
nossa casa era alheia à praxe coimbrã e só aceitou oficializar-se como
“República” para ter assento no Conselho das Repúblicas que iria influenciar
pela positiva as sucessivas crises académicas em que uma parte considerável da
jovem intelectualidade portuguesa contestou a Ditadura e a guerra colonial.
Empenhava-se no combate ao colonialismo, na modernização da sociedade
portuguesa, no estabelecimento da Democracia e no estreitamento das relações
com o conjunto das nações europeias das quais nos separava, geográfica e
ideologicamente a Espanha fascista.
O
Kimbo foi fundado por estudantes provenientes de Angola. Durante vários anos, além
dos angolanos apenas foram ali aceites os são-tomenses, que, por brincadeira
eram considerados naturais de mais uma província de Angola. Depois, foram
entrando jovens de cá.
É
notável o percurso de muita gente que ali se juntou e cresceu
intelectualmente.
De um grupo pouco organizado de
estudantes, quase todos com origem ou vivência africana, saíram um
primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, dois generais das FAPLA (um deles foi
também ministro do governo angolano), um capitão de Abril, um dos engenheiros
portugueses mais reconhecidos aquém e além-fronteiras, nove escritores com obra
publicada, um cineasta e dois mártires. Como acabamos de ouvir da boca do Pedro
Miguéis, saiu também um dos fundadores da Ortopedia Infantil em Portugal.
Próximo, ainda que nunca tenha
vivido no Kimbo, andou também o meu amigo Gilberto Teixeira da Silva, o
celebrado comandante Gica das FAPLA. Foi ele quem se encarregou de me abrir os
olhos para a política no longínquo ano de 1961.
Parece extraordinário, para um grupo
que nunca foi numeroso.
Vou citar apenas os escritores.
Além do Jorge Seabra e do Trabulo, escreveram e publicaram livros o Manuel Rui
( o mais conhecido de todos nós), o Álvaro Fernandes, o Ireneu Cruz, o
António Faria, o Albertino Bragança, o
Fernando Martinho e o China. Não sei porquê, tenho a sensação de me
estar a esquecer de alguém. Que me perdoe. Será o peso dos anos…
O livro “Os Dias do Vento Sul” constitui uma obra extensa e complexa. Assenta,
em parte, numa estrutura policial, mas ultrapassa largamente os limites da
investigação de crimes e expõe em pormenor alguns aspetos sórdidos que parecem
constituir subprodutos tóxicos dos modelos de acumulação de capital vigentes no
chamado “mundo ocidental”.
Jorge
Seabra dá espaço no seu livro a um episódio trágico, dos muitos que assinalaram
a II Grande Guerra. O Laconia, um paquete de 40.000 toneladas da Cunard Lines,
foi torpedeado por um submarino alemão no Atlântico Sul, quando seguia de Cape
Town para o Canadá. Quando o U-156 emergiu, deu com os sobreviventes
debatendo-se nas águas. Os marinheiros recolheram os náufragos que puderam e
pediram ajuda a dois outros submarinos alemães e a um italiano que navegavam
perto. Os passageiros do Laconia foram apinhados nas torres e nos conveses.
Pareciam estar a salvo, ainda que cheios de fome e de sede.
Ao
terceiro dia, o piloto de um bombardeiro americano avistou os submarinos e
bombardeou-os. Os submarinos imergiram, abandonando os náufragos. Poucos terão
sobrevivido. Entre eles, a imaginação do autor incluiu Henriqueta Lott e a sua
irmã Lora. Salvaram-se, mas nunca mais se voltaram a ver. Jorge Seabra trouxe a
Lora para a Figueira da Foz e casou-a com um pescador de bacalhau.
O
autor desenhou uma mão-cheia de personagens carismáticos que se vão
interrelacionando de forma que chega a surpreender e, mesmo, a abalar.
Bem,
não vou contar já o livro todo…
Os
meus parabéns ao Jorge Seabra!