terça-feira, 13 de junho de 2017


ESQUERDA E DIREITA

I

Sou leitor, mais ou menos, regular do jornal “Público”. Um artigo de Rui Tavares, publicado ontem, voltou a chamar a minha atenção para as fronteiras políticas entre Esquerda e Direita.
Quando eu era jovem e estudava em Coimbra, o mundo, de certo modo, era visto a branco e preto. A distinção entre Esquerda e Direita era nítida e quase intuitiva. Eu e os meus companheiros opúnhamo-nos ao regime autoritário de Salazar, cheio de tiques fascistas e apoiado pelos católicos mais conservadores.


A eclosão da guerra colonial puxou ainda mais a elite política que dominava o país para o nacionalismo exacerbado. Os estudantes de Direita defendiam o empenho do regime na tentativa de conservação do Império pluricontinental. Nós, os de Esquerda, desejávamos a queda do regime salazarista e a instauração de uma democracia moderna. Éramos pela independência das colónias ultramarinas. Pessoalmente, estive perto do PCP e do MPLA. Os meus amigos do Kimbo dos Sobas pensavam como eu.


Os tempos mudaram e nós também. Diz-se que os velhos se tornam mais reacionários com o passar dos anos. Poderá haver uma parte de verdade nisso, mas apenas uma parte. A questão de fundo é mais complexa.
Sabe-se que a História não se detém. A minha filha mais velha veio lembrar-me, há alguns meses, as opiniões que lhe comuniquei, quando ela chegou à adolescência, sobre o modo como eu encarava a evolução previsível do mundo.
O panorama era mais ou menos este: os americanos estavam a ser batidos no Vietname; Angola, Moçambique, a Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe haviam-se tornado socialistas. Para mim, a madrugada vermelha ou, pelo menos rosada, estava à vista.
Lá em casa praticou-se sempre a democracia e o respeito pelas ideias dos outros, logo que se foram fazendo capazes de pensar. As minhas filhas nunca tiveram opiniões políticas sobreponíveis às minhas.

As coisas mudaram, de forma quase inimaginável. A União Soviética apodreceu por dentro e desmoronou-se. Os crimes de José Stalin vieram ao de cima. A inocência de alguns pais das Pátrias africanas foi-se perdendo. Certos revolucionários mostraram pressa em sentar-se à mesa, no festim de repartição das benesses herdadas dos colonialistas derrotados. 
A estátua da Esquerda heroica, quase robespierriana, impoluta e científica, conheceu as primeiras fissuras. Iriam revelar-se profundas.


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