quarta-feira, 25 de janeiro de 2017


EU E A PESCA
III
Vou continuar a falar da pesca e da minha relação com ela.
A verdade é que nunca fui um pescador a sério. Ao dizer “ a sério”, pretendo escapar ao estereótipo. Nunca aumentei um centímetro ao tamanho dos peixes que capturei ou que me fugiram.
Em tempos, cheguei a levar dois sobrinhos para a pesca. Tentámos pescar num braço do Rio Sado, junto à central térmica. Os seres que andavam lá no fundo mostravam-se lesto a limpar os anzóis, sem se deixar apanhar. Comentou o Osvaldo:
− Esses tipos são profissionais!
Houve alturas em que me deu para pescar em barragens. Usava asticot e verdemin, à procura de achigãs, mas os peixes grandes que vinham no anzol eram sempre carpas.


Casei, há mais de cinquenta anos, com uma excelente cozinheira. No entanto, a preparação de peixes de água doce está longe de ser a sua especialidade. Cozinhou as carpas o melhor que soube, mas o resultado foi desastroso: nem nós lhe pegámos, nem o cão as quis. A partir dessa altura, quando calhava capturar alguma carpa que se visse, na barragem do Castelo de Bode, onde fazia campismo, pavoneava-me com ela do embarcadouro até à tenda e depois em sentido inverso, para a oferecer ao rapaz do bar, que as apreciava.

                 "Mabeco", o meu primeiro barco

Nunca me dei bem com os achigãs, mas não fui o único. Certo dia, levámos connosco um colega. Era fisioterapeuta, mas inexperiente nas artes da pesca. Como a sorte protege quase sempre os tolos, foi-lhe logo ter ao anzol um exemplar de um tamanho invejável. Retirou-o e colocou-o na areia da margem da barragem. O peixe agitou-se e encheu-se de areia. O nosso amigo resolveu lavá-lo. O peixe agradeceu. Escapou-se-lhe das mãos e nunca mais ninguém o viu.
Há horas de sorte nas vidas dos pescadores. Uma única vez na vida, apanhei um achigã de dimensões consideráveis. Como o jantar já estava feito, deixámo-lo para o almoço do dia seguinte. Meti-o num balde com água, fora da tenda. De manhã, o balde estava virado e achigã, nem vê-lo. Ainda hoje não sei se foi cão, gato, ou animal de duas patas quem se banqueteou com ele.
A minha experiência de pesca foi longa e geralmente parca em resultados mas, ocasionalmente, lá vinham dias bons. Encontrava-me, certa tarde, a pescar no “coco” de fibra de vidro, próximo da praia de Albarquel. Havia duas outras embarcações perto. Estavam cheias de pescadores otimistas, mas o mar tem caprichos e o peixe também. Enquanto eu recolhia um alcorraz a cada dois minutos, eles, a uns trinta metros de distância, apenas lavavam as minhocas. Não resisti a fazer uma provocação:
− Que chatice! Só apanho peixes pequenos!
− Está mal habituado, disse um dos mais bem-educados do barco próximo.
Ao lado dele, houve quem me insultasse.
Naquele tempo, tínhamos um pequeno grupo que cada ano, em maio, subia o Sado até à Barrosinha, um par de milhas acima de Alcácer. Ali jantávamos e pernoitávamos. Nas passagens apertadas do rio, as fataças entravam em pânico com a vizinhança da embarcação e o ruído do motor e elevavam-se no ar. Algumas caíam dentro do barco. Foram os peixes mais facilitadores que encontrei em toda a vida.
Há muitos anos, fui a um congresso da minha Especialidade, em Acapulco. Eu, que sempre ouvia quase religiosamente todas as comunicações, resolvi oferecer-me um dia de férias e fui pescar, acompanhado por um colega alemão. “Pescar”, em termos turísticos é uma atividade domesticada. Os homens do barco conduzem-nos até ao pesqueiro e fornecem-nos as canas e o isco.
Era antes do euro e os marcos valiam muito. O meu colega germânico gratificou a tripulação logo à largada. O resultado foi ser dele o primeiro peixe. Como apanhámos três, fiquei a perder por dois a um.


Não me orgulho particularmente do peixe-vela que capturei, apesar de medir 2,36 m de comprimento. Teria preferido ser eu a esgravatar e a fazer o trabalho todo, com sucesso, ou não. Ainda por cima, não cheguei a provar o peixe maior que apanhei em toda a vida, e não sei se sabe bem ou mal.



Algum tempo mais tarde, ainda não tinha ganho juízo. Quando fiz 50 anos, oferecei a mim mesmo uma cana de combate e um carreto de corrico adequado à pesca do espadarte. Estão novinhos, no invólucro de pano original. Os espadartes, para mim, não passaram de um sonho. Diz-se que deixaram o mar de Sesimbra quando a chaputa escasseou. O mais que consegui foi avistar um a distância, a acometer um cardume. Os peixes pequenos tentavam fugir para o ar, tal como as fataças.

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