terça-feira, 28 de agosto de 2012


FLORBELA ESPANCA
(Vila Viçosa, 1894, Matosinhos, 1930)


Alentejana arrebatada, Florbela Espanca atravessou a vida com inquietação e escolheu a morte prematura aos 36 anos. O acidente que, em 1927, vitimou o seu irmão Apeles, aviador da Marinha, terá fragilizado ainda mais o solo que pisava.
Apeles é um nome estranho entre nós. O pai chamou-o assim em homenagem ao pintor grego escolhido por Alexandre Magno para perpetuar a sua imagem.

                                                                                            Apeles é o terceiro da esquerda, em pé

Flor Bela e Apeles eram filhos ilegítimos de João Maria Espanca e de Antónia da Conceição Lobo. O pai começou por ser sapateiro mas fez-se antiquário, negociante de cabedais, fotógrafo e empresário de cinema. As crianças foram criadas na casa paterna, tendo a mulher legítima de João Espanca por madrinha.
Florbela Espanca foi das primeiras raparigas portuguesas a frequentar um Liceu. Começou a escrever versos na adolescência e assinou o seu primeiro conto aos treze anos. Casou, pela primeira vez, em 1913. Colaborou em algumas revistas de Évora e matriculou-se em Direito, na Universidade de Lisboa. Não foi longe no estudo universitário. Publicou a sua primeira obra, o volume de sonetos Livro de Mágoas em 1919.
Divorciou-se, casou, e voltou a divorciar-se e a casar. A sua depressão evoluía. Encontrou dificuldades em publicar os seus poemas. Até a sua obra-prima Charneca em Flor tardou a encontrar editor. O seu último marido foi um médico. Sabe-se que santos da casa não fazem milagres mas, ao tempo, não existiam medicamentos eficazes para combater o seu mal. Depois de várias tentativas, Florbela Espanca envenenou-se com barbitúricos, no dia do seu 36º aniversário. Diz-se que pediu para lhe colocarem no caixão os restos do avião em que morreu o seu irmão Apeles. 
    Há quem atribua à reação de Florbela com Apeles um caráter incestuoso. A acusação carece de fundamento.
Florbela Espanca deixou uma obra variada que inclui poesia, contos e um diário. Dos seus versos sobressaem o individualismo e a solidão, tantas vezes ligados na vida. A poetisa não se prende a analisar a política nem os problemas sociais do seu País. Canta, acima de tudo, a paixão. Cultivou o soneto, técnica poética de estranha longevidade, que terá nascido na Sicília no século XIII e foi aperfeiçoada por Petrarca. Apesar das regras que o espartilham, o soneto teve força bastante para atravessar todos os movimentos literários conhecidos.
Escolhi o poema Saudades para ilustrar este texto. Poderia ter optado por muitos outros.

                    SAUDADE


 Saudades! Sim… talvez… e porque não?...

 Se o nosso sonho foi tão alto e forte

 Que bem pensara vê-lo até à morte

 Deslumbrar-me de luz o coração!


 Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão

 Que tudo isso, Amor, não nos importe.

 Se ele deixou beleza que conforte

 Deve-nos ser sagrado como o pão!


 Quantas vezes, Amor, já me esqueci,

 Para mais doidamente me lembrar,

 Mais doidamente me lembrar de ti


 E quem dera que fosse sempre assim:

 Quanto menos se quisesse recordar

 Mais a saudade andasse presa a mim!


                           Também publicado em O Canto dos Poetas


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