quinta-feira, 15 de setembro de 2022

 

                                     

   CROMELEQUE DOS ALMENDRES

Nas minhas deslocações para o sul do país, pouco antes de passar por Évora, avistei repetidamente a placa com a indicação “Cromeleque dos Almendres”.

Havia duas palavras que me atraíam: “cromeleque”, pelo gosto que sempre tive por história e arqueologia e “Almendres”, por ter nascido em Almendra, no Alto Douro. Os termos são quase idênticos e pouco comuns. Existe (pelo menos) uma aldeia chamada Almendra em Espanha.

Ou por ter pressa, ou por me dar a preguiça, segui sempre adiante, sem tomar a decisão de conhecer o sítio arqueológico. Calhou este ano, por altura da confraternização anual da família Trabulo, realizada habitualmente pela Páscoa e interrompida durante dois anos por causa da pandemia.


Calhou desta vez. No regresso de Évora, eu, a minha mulher, a minha irmã Mariazinha e o meu cunhado Sindulfo deixámos o itinerário principal e entrámos na freguesia de Guadalupe. Seguimos por uma estrada com troços a pedir melhoramento e lá chegámos ao cromeleque. Dista cerca de uma dúzia de quilómetros de Évora e está classificado como Monumento Nacional.


Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa, cromeleque é um monumento megalítico constituído por vários menires dispostos em círculo. Presto aqui homenagem a Uderzo e a Goscinni, por supor que ninguém terá feito tanto pela divulgação da cultura megalítica como as imagens de Obelix transportando os seus menires.

Não contei os menires. A Wikipedia fê-lo por mim. São 95 e “constituem o mais importante monumento megalítico da Península Ibérica e um dos mais relevantes da Europa”.   

De acordo com a National Geographic (Portugal), o conjunto começou a ser montado no sétimo milénio a.C, sendo (pelo menos) 2.000 anos mais antigo que o de Stonehenge.


Curiosamente, o nosso pequeno Portugal é invulgarmente rico em sítios arqueológicos importantes. Muitos deles localizam-se no Alentejo. A região de Évora, em particular, conta com diversos vestígios arqueológicos construídos entre o início do Período Neolítico e a Idade do Ferro. Existem na mesma zona outros círculos de menires, como o cromeleque da Portela de Magos, em Montemor-o-Novo. Ainda não tive ocasião de o conhecer.

Terá sido a obediência a crenças profundas que levou o povo a transportar os pesadíssimos menires e a alinhá-los segundo os pontos cardeais, tendo na devida atenção os equinócios e os solstícios. A religião estava associada à astronomia e esta fornecia indicações para os trabalhos agrícolas. Os cromeleques foram lugares de culto pré-cristão.

Nas sociedades de agricultores, as atividades que exigiam grande concentração pessoas (como as guerras e as construções religiosas de maior envergadura) decorriam geralmente nos intervalos que mediavam entre as sementeiras e as colheitas, ou entre estas e as sementeiras posteriores.

 

                     Vista aérea. Fotografia de João Ferreira, National Geographic Portugal

O Cromeleque dos Almendres é de conhecimento recente e foi descoberto quase por acaso. Quando, em 1964, o investigador Henrique Leonor de Pina se ocupava a traçar a Carta Geológica de Portugal, foi informado por um trabalhador da existência de um local onde existiam diversas pedras estranhas. A desmatação de uma encosta pôs à vista um conjunto monumental de menires, pelos quais ninguém se interessara durante milénios. Encontrou-se na vizinhança um número reduzido de pequenas peças arqueológicas. 

O cromeleque situa-se no interior de uma propriedade privada. Os donos cederam o espaço do monumento à Câmara Municipal de Évora, para visita livre.

Os estudos que se seguiram mostraram que os menires foram sendo reunidos ao longo de três milénios. A construção terá decorrido em três etapas. Os grandes blocos de rocha eram colocados em escavações que iam até solo fixe e amparados por pedras pequenas.

No final do Período Neolítico Antigo (no VI milénio a.C.) foi construído o cromeleque inicial. Era formado por três círculos concêntricos de monólitos de pequenas dimensões.

Ao longo dos dois milénios seguintes (Período Neolítico Médio) nasceu, a oeste da construção original, um novo monumento, constituído por menires dispostos em duas elipses também concêntricas.


                                      Gravura retirada da Wikipedia

O termo da construção remonta ao Período Neolítico Final, no III milénio a. C. Alguns menires foram decorados com relevos ou gravuras.

O período extraordinariamente prolongado em que prosseguiu a construção e o alargamento do santuário (suponho que será legítimo denominá-lo deste modo) permite supor que terão acontecido numa época de relativa estabilidade política, religiosa e social.

Não é certo que tenham existido na proximidade do monumento povoações mais ou menos satélites, como aconteceu em Stonehenge. Os arqueólogos continuam a procurá-las.


Em anos recentes, Mário Varela Gomes organizou no local diversas campanhas arqueológicas que permitiram elevar alguns dos monólitos tombados e recolocá-los nas suas posições de origem. Os investigadores esforçaram-se por determinar a localização primitiva de cada um. Uns tantos menires desapareceram. Alguns foram aplanados e transformados em estelas.

O conjunto deixou de ser utilizado no Período Calcolítico. O homem aprendia a trabalhar os metais, começando pelo cobre. As grandes inovações técnicas acompanham-se de mudanças culturais significativas. Algumas divindades terão sido abandonadas. Chegava ao fim a cultura megalítica atlântica.

As comparações com Stonehenge são inevitáveis.


                                Stonehenge(Internet)

O monumento pré-histórico do condado de Wiltshire, na  Inglaterra, é bastante mais recente, tendo sido edificado entre os anos 3.000 e 2.000 a.C. quando o Cromeleque dos Almendres deixara já de ser utilizado.

Os menires de Stonehenge são maiores que os de Guadalupe e dão-lhe um aspeto mais impressionante. Uns tantos sustentam rochas aplanadas que esboçam a configuração de mesas. Alguns pesarão 50 toneladas. Diversos blocos de rocha pesando 4.000 quilos cada foram arrastados da região montanhosa de Gales, que dista 24 quilómetros. Tratou-se dum esforço extraordinário.

Na vizinhança de Stonehenge encontraram-se sepulturas com restos humanos cremados. Não há indícios que apontem para que o Cromeleque dos Almendres tenha sido usado como necrotério. No entanto, os milhares de anos decorridos sobre a sua fundação e o seu abandono poderão ter apagado qualquer vestígio de enterramento.

 


O Cromeleque dos Almendres é o maior conjunto megalítico estruturado conhecido na Península Ibérica. É também um dos mais relevantes da Europa. A sua existência demonstra a importância do papel dos nossos antepassados na criação da cultura europeia.

O tempo apaga quase tudo. No entanto, eu, que não sou crente, senti, ao entrar no perímetro do cromeleque, a mesma carga emotiva que nos faz vibrar a alma ao transpor as portas de algumas catedrais.

 

 

Apoio bibliográfico:

Morato Gomes, Filipe. Cromeleque dos Almendres, menires megalíticos às portas de Évora. https://www.almadeviajante.com » Alentejo» Évora. Atualizado em 1/9/2022. 

https:// www. natgeo.pt » História. Cromeleque dos Almendres: o Stonehenge português. 2019/09.

https://www.cm-evora.pt » Cromeleque dos Almendres.

Wikipedia

 


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