sábado, 29 de abril de 2017


  REMEXIDO
O HOMEM DA SERRA
  O guerrilheiro miguelista que passou à história com o nome de Remexido chamou-se José Joaquim de Sousa Reis e nasceu em Estômbar (Lagoa), em 1796, numa família de camponeses pobres. Foi fuzilado em Faro, no dia 2 de agosto de 1838.
  Órfão aos sete anos, foi recolhido por José Joaquim de Sousa, prior de Alcantarilha, seu tio e padrinho. Aos catorze anos, entrou para o Seminário de Faro. Recebeu as Ordens Menores pelos vinte anos. Por essa altura, apaixonou-se pela Maria Clara, sobrinha do capitão de ordenanças Manuel Inácio de Bastos, e desistiu da vida eclesiástica. A família da moça opôs-se a um namoro desigual, mas o rapaz não desistiu das suas pretensões e levou a sua intenção avante. O casamento foi celebrado pelo padre Alexandre José Águas, o qual, anos volvidos, seria assassinado pela guerrilha do antigo noivo. 

O casamento fez de Joaquim Reis um homem abastado. Não nascera guerreiro e tinha vistas largas. Outros tempos teriam feito dele um cidadão de valor para a terra. Interessou-se pelo desenvolvimento de São Bartolomeu, ajudando a criar uma escola, um forno comunitário e uma feira anual.
A guerra entre liberais e absolutistas veio marcar-lhe o destino. 
Era alferes de ordenanças, uma força miliciana, e colocou-se ao lado das tropas absolutistas de D. Miguel. Quando o visconde de Molellos foi encarregado de organizar a defesa do Algarve, face à ameaça de desembarque das tropas liberais, nomeou José Joaquim de Sousa Reis comandante dos Terços de Ordenanças de Silves. O Remexido passava a ter às suas ordens cerca de três centenas e meia de homens armados. 
Sob o comando do brigadeiro Tomás Cabreira, ajudou a derrotar o marquês de Sá da Bandeira na batalha de Sant`Ana da Serra, em 1834.  
Quando o duque da Terceira invadiu o Algarve, Molellos retirou para o Alentejo. Parte da tropa regular miguelista depôs as armas. Alguns militares associaram-se em pequenas unidades de guerrilha, a que se foram juntando populares que pretendiam beneficiar dos saques.
O Remexido ficou e refugiou-se na serra.
Quando as tropas liberais deixaram o Algarve e partiram para a conquista de Lisboa, deixaram pequenas guarnições nas principais vilas e cidades do litoral, como Lagos, Silves, Portimão, Olhão e Tavira.
As forças miguelistas aproveitaram-se da retirada da maior parte das forças liberais para prosseguirem a guerra na região. O major André Camacho Barbosa encontrava-se em Almodôvar. A 24 de julho de 1933, enquanto os liberais tomavam Lisboa, atacou a vila de Loulé e passou pelas armas os cidadãos conotados com os liberais.


   O Remexido foi encarregado de reconquistar as povoações do barlavento, de Lagos a Albufeira. Como não dispunha de um aquartelamento fixo, subscrevia as proclamações “em quartel volante”. Uma das suas primeiras iniciativas foi atacar a própria aldeia de S. Bartolomeu de Messines, a 19 de julho de 1933. Eliminou a guarnição e chacinou alguns cidadãos que não eram da sua simpatia.
O seu grupo obteve um sucesso considerável nas ações militares, mas depressa ficou conotado com uma série de crimes cometidos contra os adversários políticos, no Algarve e no sul do Alentejo. Em 26 de julho de 1833, na vila de Albufeira, o Remexido terá sido responsável, ou conivente, no massacre de liberais. Aconteceu uma chacina. Bandidos sedentos de ouro e de sangue roubaram, violaram mulheres indefesas, fuzilaram e acutilaram homens e crianças. Ninguém contou os cadáveres, que foram enterrados em valas comuns. Durante algum tempo, Albufeira ficou conhecida com a “Vila Negra”.


Era preciso pagar aos homens e alimentá-los. Os cofres públicos e as lojas de venda de tabaco eram os alvos mais apetecidos. Na falta deles, os guerrilheiros saqueavam as pessoas conotadas com a causa liberal. Roubavam tudo o que podia ter valor, mas não ficavam por aí, Arrombavam adegas e celeiros, despejavam vinhos e azeites e destruíam as colheitas. Aconteceu assim em Alcantarilha, Mexilhoeira, Ferragudo, Porches e nas vilas de Portimão e Lagoa. Nem Estômbar, a sua terra natal, escapou à pilhagem. Toda a zona do barlavento algarvio foi devastada pela guerrilha do Remexido. Lagos, que dispunha de uma guarnição militar suficiente, escapou à pilhagem.


No final oficial da guerra, em lugar de lhe concederem o perdão a que, nos termos da Convenção de Évora-Monte (1834), tinha direito, as novas autoridades liberais sujeitaram a esposa do guerrilheiro ao espetáculo público da rapagem do cabelo e à aplicação de palmatoadas no adro da igreja de Messines, castigos atribuído na época às prostitutas. Mataram-lhe ainda um filho de 14 anos. O povo irado incendiou e pilhou-lhe a casa de família.
O Remexido não reagiu de imediato. Consta que esteve escondido durante vários meses numa gruta do Vale do Barranco.
Regressado ao combate, prosseguiu a guerra, quase por conta própria. Para alimentar e municiar os seus homens, assaltava as quintas mais ricas, as aldeias, os viajantes e os portadores de correio.
A guerrilha foi, em parte, subsidiada pelo próprio D. Miguel e por partidários seus. No entanto, a maior parte do sustento dos guerrilheiros provinha dos assaltos.
   Em 26 de novembro de 1836, procurando dar novo alento à causa absolutista, D. Miguel nomeou para Governador do Reino no Algarve e Comandante Interino das Operações do Sul, o seu fiel servidor José Joaquim de Sousa Reis. O bandoleiro Remexido era agora governador, pelo menos em título.
A guerrilha do Remexido tinha o apoio dos “serrenhos” e assolou as povoações da região de Silves e Loulé. As autoridades locais propuseram uma política de terra queimada: concentrar os habitantes em localidades vigiadas, recolher o gado e até retirar as colmeias, a fim de se pôr fogo ao mato onde se acoitavam os guerrilheiros.
A serra passou a estar controlada por doze divisões militares. As alfaias agrícolas foram recolhidas para que não pudessem servir de armas e mesmo os ferreiros foram chamados às guarnições militares, para não apoiarem a cavalaria rebelde.
O Remexido dispersou parte das suas forças, misturando-as com as populações a que pertenciam. Os bandoleiros miguelistas resistiram às tropas da rainha até 1838, quatro anos passados sobre a convenção de Évora Monte.


No dia 28 de julho desse ano, soube-se que o Remexido estava na Portela da Corte das Velhas, à frente de duas centenas e meia de homens. O coronel Fontoura ordenou que seguissem imediatamente para lá quatro colunas militares regulares idas de Almodôvar, S. Martinho das Amoreiras e S. Bartolomeu de Messines. O inimigo foi localizado e cercado no Monte do Grou, perto de S. Marcos da Serra. O combate travado foi desigual e meia centenas de homens foi abatido pelo fogo legalista. Os guerrilheiros retiraram em desordem, deixando para trás o Remexido, que foi desarmado e preso.
  Quando se soube em Loulé do acontecido, o presidente da câmara mandou repicar os sinos e acender luminárias nas ruas. O prisioneiro pernoitou na cadeia local. No dia seguinte, partiu para Faro, onde foi julgado em Conselho de Guerra e fuzilado, apesar de, segundo se diz, a rainha D. Maria II lhe ter concedido o perdão. 
  O Remexido deixou a vida e entrou na lenda.
   

   Fonte:
REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL DE LOULÉ n.º 13 2009 191. O Remexido e a resistência miguelista no Algarve. José Carlos Vilhena Mesquita (artigo recolhido na Internet).

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